Rock in Rio: 14 pessoas são resgatadas de trabalho análogo à escravidão

Empresa que organiza o Rock in Rio foi diretamente responsabilizadaDivulgação/ Rock in Rio

Uma operação formada por auditores fiscais da Superintendência Regional do Trabalho do Rio de Janeiro e procuradores do Ministério Público do Trabalho da 1ª Região, resgatou 14 trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão durante a edição de 2024 do Rock in Rio, nesta semana.

A organizadora do evento foi diretamente responsabilizada.  

O resgate teve início em 22 de setembro, durante uma fiscalização para verificar o cumprimento de obrigações trabalhistas por expositores, comerciantes e contratantes de músicos. Os detalhes foram divulgados em uma coletiva de imprensa realizada nesta quarta-feira (18).  

De acordo com os fiscais, os trabalhadores enfrentavam jornadas exaustivas, chegando a 21 horas de trabalho consecutivas, com apenas três horas de descanso. “Eles começavam às 8h e iriam até as 17h. Depois, o supervisor perguntava: quem quer dobrar? E eles iam até as 5h da manhã, retornando apenas três horas depois. Onde dormiam? No chão, em cima de jornal, papelão, usando mochila como travesseiro, em banheiros improvisados, um verdadeiro lixo”, relatou o auditor fiscal Alexandre Lyra, coordenador da operação.  

Os 14 trabalhadores encontrados dormiam precariamente em papelões, sacos plásticos e lonas. Parte das mulheres tomava banho de canequinha no banheiro feminino, retirando a maçaneta da porta para evitar invasões. “Era uma jornada exaustiva, carregavam peso, sem recomposição de energia e alimentação adequada. Segundo eles, até a marmita chegava azeda”, destacou Lyra.  

Condições degradantes  

Os trabalhadores atuavam como carregadores de grades, equipamentos, bebidas e estruturas metálicas, além de auxiliarem na limpeza. Contratados com a promessa de receber diárias entre R$ 90 e R$ 150, muitos não receberam os valores integrais.  

A força-tarefa identificou três elementos que configuram trabalho escravo contemporâneo, conforme o artigo 149 do Código Penal: condições degradantes, jornadas exaustivas e trabalho forçado.

“É como a imagem clássica de escravidão rural: barraco de lona, necessidades fisiológicas no mato e água compartilhada com animais, mas no ambiente urbano do Rock in Rio”, explicou Lyra.  

Responsabilização da organizadora   

Foram lavrados 21 autos de infração contra a empresa terceirizada FBC Backstage Eventos Ltda. e 11 contra a organizadora do evento, Rock World S.A., que foi diretamente responsabilizada. A empresa contratante deixou de garantir condições dignas de trabalho e a fiscalização necessária para evitar irregularidades.  

Apesar de a legislação permitir a terceirização, ela exige que a contratante monitore as condições oferecidas pela prestadora de serviços. Segundo a força-tarefa, as empresas envolvidas se recusaram a assinar um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). O Ministério Público do Trabalho afirmou que adotará medidas legais para prevenir novos casos e assegurar indenizações às vítimas.  

A fiscalização também notificou a empresa que concedeu o certificado de “evento sustentável” ao Rock in Rio e empresas que realizaram ações de divulgação no festival, solicitando explicações sobre as medidas que serão tomadas.  

Reincidência de casos no Rock in Rio  

Esta não é a primeira vez que casos de trabalho análogo à escravidão são registrados no festival. Em 2013, 93 trabalhadores foram resgatados enquanto atuavam para a rede Bob’s. Já em 2015, 17 pessoas foram resgatadas ao vender batatas fritas para a empresa Batata no Cone, também no evento. 

Nos casos anteriores, a organização do Rock in Rio alegou que a responsabilidade era exclusiva das empresas terceirizadas. Desta vez, no entanto, foi considerada diretamente responsável pelas condições identificadas.  

O Código Penal prevê punição a práticas que envolvam trabalho forçado, servidão por dívida, condições degradantes ou jornadas exaustivas.  Entre 1995 e 2024, mais de 63,5 mil trabalhadores foram resgatados em atividades como agropecuária, construção civil, oficinas de costura e serviços urbanos.

Denúncias podem ser feitas pelo Sistema Ipê (ipe.sit.trabalho.gov.br) ou pelo Sistema de Coleta de Denúncias do Ministério Público do Trabalho. 

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