
Hospital é referência no serviço de aborto legal em São Paulo, mas desde dezembro de 2023 teve o programa suspenso pela prefeitura com a justificativa de aumentar a capacidade para a realização de cirurgias. Prefeitura copiou prontuários em apuração sobre aborto legal no Hospital Cachoeirinha
A Prefeitura de São Paulo informou, na noite desta quinta-feira (1]), estar providenciando a retomada da realização de aborto legal no Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da capital. Há três decisões da Justiça determinando a volta desse tipo de atendimento, além de um questionamento do Ministério Público de São Paulo sobre a suspensão (leia mais abaixo).
“A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) está tomando as providências cabíveis para a retomada do Programa Aborto Legal no Hospital Municipal e Maternidade Vila Nova Cachoeirinha, dentro das premissas de segurança e qualidade como prevê a legislação vigente”, disse o comunicado.
O aborto legal é um procedimento de interrupção de gestação autorizado pela legislação brasileira e que deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS). É permitido nos casos em que a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco à vida da gestante ou quando há um diagnóstico de anencefalia do feto.
Se inscreva no canal do g1 SP no WhatsApp aqui
O Hospital Vila Nova Cachoeirinha é referência no serviço de aborto legal em São Paulo, mas desde dezembro de 2023 teve o programa suspenso pela prefeitura com a justificativa de aumentar a capacidade para a realização de cirurgias no local.
Hospital Maternidade Vila Nova Cachoeirinha é referência para gestação de alto risco
Rubens Gazeta/PMSP
Decisões judiciais
A Justiça de São Paulo obrigou a prefeitura a voltar com o procedimento depois que a deputada federal Luciene Cavalcante (PSOL) e o vereador Celso Giannazi (PSOL) moveram uma ação popular.
Na primeira decisão a respeito do tema, o juiz Adler Batista Oliveira Nobre determinou que a prefeitura reativasse o serviço em dez dias e também promovesse a “busca ativa para que todas as pacientes que tiveram o procedimento cancelado sejam atendidas com brevidade”.
No dia 24 de janeiro, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça, também determinou que a prefeitura retomasse o procedimento. Na decisão, a juíza estabeleceu, ainda, que o atendimento às pacientes acontecesse em até 10 dias, proibindo que o Cachoeirinha negasse o agendamento do procedimento para novas pacientes.
Prefeitura diz que não há restrição para aborto legal em SP
Em 29 de janeiro, a juíza Simone Gomes Rodrigues Casoretti, da 9ª Vara de Fazenda Pública do Tribunal de Justiça, determinou, pela terceira vez, que a prefeitura retome a realização de aborto legal no hospital. Há uma multa diária de R$ 50 mil em caso de descumprimento da decisão.
Na última semana, o Ministério Público Federal (MPF) também pediu que a Prefeitura de São Paulo explique por que a realização de aborto legal do hospital foi desativada.
O órgão deu também prazo de 10 dias, contando a partir desta quinta-feira (11), para a prefeitura prestar esclarecimentos. A solicitação foi enviada à Secretaria Municipal da Saúde.
A Procuradoria quer saber os motivos que levaram a administração municipal a suspender esse serviço e mantê-lo indisponível no hospital desde o mês passado.
Aborto legal em SP
Além do Cachoeirinha, outros quatro hospitais também realizam aborto legal:
Hospital Municipal Dr. Cármino Caricchio (Tatuapé);
Hospital Municipal Dr. Fernando Mauro Pires da Rocha (Campo Limpo);
Hospital Municipal Tide Setúbal (São Miguel);
Hospital Municipal e Maternidade Mário Degni (Jardim Sarah).
Dados copiados de prontuários
A Prefeitura de São Paulo copiou dados de prontuários de pacientes que passaram por aborto legal no Hospital Municipal Vila Nova Cachoeirinha, na Zona Norte da capital.
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, está sendo feita uma apuração sobre os procedimentos realizados nos últimos anos na unidade. No entanto, a pasta copiou dados pessoais, que deveriam ser sigilosos, sem autorização dos pacientes nem ordem judicial.
De acordo com Luiz Carlos Zamarco, secretário municipal da Saúde, os prontuários foram copiados para apurar os procedimentos que foram realizados.
“Existe aqui na secretaria uma equipe que avalia não só prontuários do Cachoerinha, mas de todos os hospitais, para saber os procedimentos que estão ocorrendo e se estão feitos dentro da lei. Então, a equipe técnica, junto com o Cremesp, tem autorização de verificar prontuários onde existe suspeita de irregularidade”, afirmou.
O secretário disse ainda que apura os abortos que foram feitos em gestações mais avançadas. No entanto, a legislação não restringe a idade gestacional para a realização do aborto legal.
O Cachoeirinha era o único hospital do estado que realizava o procedimento em casos em que a gestação passa de 22 semanas.
No dia 12 de janeiro, a Prefeitura de São Paulo chegou a afirmar que não existia limitação de tempo de gestação para a realização de aborto legal nos hospitais municipais da capital.
Contudo, até a tarde do dia 12, o site da própria prefeitura informava que a interrupção era até a 20ª segunda semana de gestação.
O secretário municipal de Saúde informou, em entrevista à TV Globo naquele dia, que não há limite de idade gestacional para a interrupção da gravidez em casos previstos por lei e, após a entrevista, a informação no site foi corrigida.
Laudiceia Reis Silva dos Santos, dirigente do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais, disse que a prefeitura sempre teve informações de como os procedimentos eram feitos.
“Um serviço que está funcionando há tanto tempo, e que a secretaria tinha informação de como era feito, ela sabia, tinha, estava sempre em contato com quem estava fazendo o serviço. Como é que porque de repente eles pegam [dados] assim, ser dar uma explicação, sem seguir um rito. Existe tanto uma perseguição à exposição quanto ao uso desses dados”, afirma.
O caso foi denunciado ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pela vereadora Silvia Ferraro, da Bancada Feminista do PSOL. Segundo a denúncia, foram copiados dados de procedimentos realizados entre 2020 e 2023.
Em nota, o Cremesp informou que fez uma fiscalização no hospital e recolheu prontuários como ocorre de praxe e é previsto em lei. Disse ainda que os relatórios das fiscalizações ocorrem sob sigilo em atendimento à legislação.
Segundo Eloisa Machado de Almeida, professora de direito da Faculdade Getúlio Vargas (FGV), os prontuários só podem ser acessados pelos próprios pacientes, alguém autorizado por eles ou via medida judicial. Ainda segundo Eloisa, a investigação está sendo conduzida de forma irregular.
“Autoridades administrativas e políticas não têm nenhum tipo de privilégio de acesso aos prontuários médicos. Se não há ordem judicial e não há autorização do paciente, nenhuma dessas instâncias podem ter acesso a essas informações. Seja na atividade de fiscalização da atividade médica, como os conselhos de medicina, seja na fiscalização do próprio serviço público, como uma Secretaria de Estado”, afirma.
O que diz a prefeitura
A Secretaria da Saúde afirmou que os documentos solicitados dentro dos protocolos servem para apuração de eventuais irregularidades. Informou que o aborto legal está disponível para gestantes, independentemente do período gestacional, em outros quatro hospitais.
LEIA TAMBÉM:
Entenda o que é o aborto legal e como ele é feito no Brasil
4 em cada 10 abortos legais no Brasil são feitos fora da cidade onde a mulher mora; pacientes percorreram mais de 1 mil km
Médicos reclamam de falta de estrutura para aborto legal; paciente relata preconceito em hospital
Acesso ao aborto legal em SP é dificultado por erros de informação e desconhecimento da lei