Adolescente que sobreviveu a acidente aéreo no AC viajou junto com as malas: ‘não queria ir porque tava lotado’, diz tia


Deonicilia Kaxinawá, de 15 anos, estava de férias em Manoel Urbano com a tia e voltava para Santa Rosa do Purus, um dos municípios isolados do Acre, para estudar. Ela segue internada, teve queimaduras nos braços e pernas, e não corre risco de morte. Deonicília Kaxinawá tem 15 anos e é uma das sobreviventes do acidente de avião em Manoel Urbano na segunda-feira (18)
Reprodução/Autorizada pela família
Uma das sobreviventes da queda do avião em Manoel Urbano, interior do Acre, na última segunda-feira (18), a adolescente Deonicilia Salomão Kalisto Kaxinawá, de 15 anos, se encontra estável e em recuperação no hospital do município onde ocorreu o acidente. Ela é uma das passageiras que se feriu com menos gravidade.
👉 Contexto: Sete pessoas estavam a bordo da aeronave, incluindo o piloto, sendo quatro homens e três mulheres, que estavam seguindo para a cidade de Santa Rosa do Purus, distante 150 km do município de onde decolaram. Sidney Estuardo Hoyle Vega, comerciante de nacionalidade peruana, morreu no acidente, no final da manhã de segunda, e outras seis pessoas ficaram feridas, sendo que duas estão entubadas.
O g1 conversou com a tia da adolescente, Maria do Carmo Kalisto, que está acompanhando a sobrevivente no hospital. A menina narrou para ela que o avião estava lotado e tentou desistir, mas foi convencida a voar. A mala dela chegou a ser retirada do avião e ela embarcou apenas com uma bolsa.
“Ela viu que o avião tava lotado, aí pensou ‘será que eu vou? tô nervosa’, porque ela nunca andou [de avião]. Ela ficou com medo, não queria ir porque tava lotado, aí chamaram ela e ela disse ‘não, eu vou no segundo voo, eu tô com medo’, mas aí disseram ‘vambora’. Tiraram a mala dela, e ela foi com o corpo e com a bolsinha”, diz.
Deonicília Kaxinawá está internada no hospital de Manoel Urbano e aguarda alta médica; ela disse que não irá voltar de avião para Manoel Urbano
Reprodução/Autorizada pela família
Ela também contou que a família quer de volta os R$ 620 investidos na passagem aérea para custear o combustível da viagem de barco até o município isolado, quando ela estiver totalmente recuperada das lesões.
“Quando ela pegar alta, vai ficar na minha casa, tô querendo levar ela no barco, não vou deixar ela ir de avião não porque ela disse que nunca mais vai andar de avião. Era a primeira vez que ela estava indo [de avião], estava com medo e pediu pra mim que nunca mais ia para um avião”, complementou.
Primeira viagem de avião
O g1 também conversou com o pai da adolescente, Pedro Kaxinawá, que está em Santa Rosa do Purus, cidade para onde a Deonicilia voltaria após passar um mês de férias com parentes em Manoel Urbano. O indígena contou que essa foi a primeira vez que a filha viajava de avião e confirmou que não havia assentos na aeronave para ela.
“Minha filha me contou que só sentiu quando o avião subiu e quando percebeu já estava no chão. Minha filha não tinha cadeira pra sentar, ela não queria vir nesse voo, o piloto chamou ela, disse que podia entrar. Entrou no apertado, não tinha onde minha filha sentar. Ela sentou embaixo, no apertado, não tinha espaço”, relatou o indígena.
Ainda segundo pai, a filha queria viajar em um segundo voo por conta da falta de espaço. Conforme Pedro, ela foi convencida a subir no avião e viajar. “Ela queria vir no primeiro voo, mas o piloto trouxe no primeiro. Ela nunca viajou assim, foi a primeira vez. Ela passou as férias, foi para a aldeia, a tia levou ela para passear, nunca tinha ido para Manoel Urbano”, relatou.
O avião Cessna Skylane 182 tinha capacidade para transportar, no máximo, quatro pessoas. Entretanto, seis passageiros e o piloto estavam dentro da aeronave no momento da queda. Além disso, a aeronave não tinha autorização para atuar como táxi aéreo. Veja detalhes abaixo.
A menina relatou à tia que ouviu o piloto pedindo, momentos antes da aeronave cair, para que uma pessoa fosse para a frente do veículo. Depois disto, acordou apenas no hospital, desorientada e sem saber o que tinha acontecido. Antes da queda, ela estava sentada em um banco improvisado no compartimento das bagagens, sem cinto de segurança.
“Ela viu o piloto chamando uma pessoa: ‘vem pra cá uma pessoa, vem pra cá’. Aí ela pensou: ‘será que eu vou cair hoje?’ e deu um grito. Quando ela deu um grito, o avião virou e vinha rodando, de cabeça pra baixo. Ela só sentiu quando o avião caiu, se ‘emborcou’ e já estava pegando fogo. O peão homem [que ajudou no resgate das vítimas] abriu a porta, quando passou ele foi atrás e caiu dentro da lama, aí quando ia dentro da lama, o homem puxou e jogou ela no chão”, disse.
Deonicília Kaxinawá foi resgatada por populares após avião cair em Manoel Urbano na segunda-feira (18)
Reprodução
Volta às aulas
Após duas semanas de férias, Pedro Kaxinawá disse que a filha ligou pedindo dinheiro para ir de avião para Santa Rosa do Purus, onde vive com família, porque iria começar as aulas nessa segunda-feira (18).
“Ela disse que não iria de barco porque é longe. Ela foi de barco para Manoel Urbano. Minha irmã me avisou da queda do avião, fiquei desesperado, queria saber como tinha acontecido. Ela me falou que estava com medo, só que o piloto ‘adulou’ muito, minha filha não queria vir. Estava muito apertado”, lamentou.
Vítima ficou ferida na perna e sofreu queimaduras no braço
Arquivo pessoal
O pai disse que já conversou com a filha por telefone e ficou mais aliviado ao ouvir a voz da adolescente. Os pais foram chamados para ir até o hospital acompanhar a menor. Deonicilia Kaxinawá queimou um dos braços, a perna, cortou o pé e sente dores no pescoço, conforme a família.
“Foi o maior perigo que minha filha passou. Do jeito que o avião caiu, pegou fogo, achei que minha filha não ia viver. Foi Deus que livrou minha filha, clamei muito e agradeci pelo livramento”, agradeceu.
Adolescente Deonicilia Kaxinawá segue internada no hospital de Manoel Urbano tratando ferimentos
Arquivo pessoal
A tia narrou a aflição que passou até encontrar a menina, que já estava no hospital do município em observação. Maria do Carmo então foi em casa, pegou alguns pares de roupa e ajudou a dar banho em Deonicília, quando a visita foi liberada pela equipe da unidade. Agora, aguardam a alta médica.
“Dei banho dela e ela me perguntou: ‘tia nós estamos aonde?’, aí eu falei pra ela que estamos no hospital, ela perguntou o porquê e eu disse que ela tinha pegado um acidente de avião, estava toda melada de lama e eu estava dando banho nela”, complementou.
Estado dos sobreviventes
Amélia Cristina, Bruno Fernando, Roney Mendes, Suani Camelo e Mateus Jeferson são cinco dos seis sobreviventes da queda de avião em Manoel Urbano, no Acre
Arquivo pessoal
Os sobreviventes da queda do avião podem ser encaminhados para fora do Acre para tratamento das queimaduras em um hospital com unidade de grandes queimados. Três deles têm, pelo menos, 40% do corpo queimado.
“Estamos todos de prontidão, inclusive a UTI [Unidade de Terapia Intensiva]. E eles estão fluindo e espero que saiam desse quadro. [Quero] Deixar bem claro aqui, o secretário Pedro Pasqual informa que se esses pacientes estabilizarem, como são grandes queimados, o secretário está vendo para tentar transferir eles para uma unidade de grandes queimados fora do estado, caso eles tenham condições de ser transferidos”, afirmou diretor do Pronto-Socorro de Rio Branco, Lourenço Vasconcelos.
Os pacientes que estão no Pronto-Socorro de Rio Branco são:
Amélia Cristina, 28 anos, biomédica [está entubada, na UTI e teve 70% do corpo queimado];
Bruno Fernando dos Santos, 36 anos, dentista [estável, ele se encontra na enfermaria, com queimaduras leves e ferimento na cabeça];
Roney de Souza Mendes, 59 anos, piloto [está na UTI, entubado e teve 40% do corpo queimado];
Suani Camelo, 30 anos, comerciante [está na UTI e teve 80% do corpo queimado, ela veio entubada de Manoel Urbano e permanece neste estado];
Mateus Jeferson Fonte, 26 anos [estável, ele teve queimaduras leves e foi para o centro cirúrgico fazer a limpeza dos ferimentos];
As vítimas começaram a ser transferidas para Rio Branco no final da tarde dessa segunda-feira (18). A primeira a chegar na capital foi Suani Camelo, transferida de helicóptero para o pronto-socorro da capital em estado grave e entubada.
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Algumas vítimas vieram de helicóptero para Rio Branco nesta segunda-feira (18)
Eldérico Silva/Rede Amazônica Acre
Logo depois, outra aeronave trouxe outros três sobreviventes: o casal Amélia Cristina e Bruno Fernando e o piloto Roney Mendes. Mateus Jeferson foi trazido para a capital de ambulância e Deonicilia Kaxinawá ficou em Manoel Urbano.
Conforme a direção do PS, os três pacientes considerados mais graves: Suani Camelo, 30 anos; Valdir Roney de Souza Mendes, 59 anos [piloto do avião]; e Amélia Cristina Rocha, 28 anos; passaram por cirurgias de desbridamento, ou seja, remoção de tecido não-viável, e estão na UTI.
As vítimas estão sendo atendidas por uma equipe multidisciplinar do pronto-socorro. Segundo o diretor, assim que a unidade soube do acidente, montou-se uma equipe com médicos, cirurgiões, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas para atender os feridos.
Avião caiu em Manoel Urbano
Arte g1
Sem permissão para táxi aéreo
O avião Cessna Skylane 182 que caiu após decolar de Manoel Urbano tinha capacidade para transportar no máximo quatro pessoas. Entretanto, seis passageiros e o piloto estavam dentro da aeronave no momento da queda. Além disso, o veículo, que seguia rumo a Santa Rosa do Purus, não tinha autorização para atuar como táxi aéreo.
O Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aponta que o avião registrado como ‘PTJUN’ tinha registro para serviço aéreo privado, mas não poderia ser utilizado como táxi aéreo já que estava com o Certificado de Verificação de Aeronavegabilidade (CVA) vencido desde o dia 1º de junho de 2019.
Avião de pequeno porte caiu em Manoel Urbano
O serviço de táxi aéreo consiste em transportar passageiros a curta distância, como é o caso destas viagens intermunicipais. Na ocasião, cada passageiro paga uma quantia pela passagem e, quando alcançar a quantidade máxima de pessoas na lotação, o voo sai rumo ao destino final. Como Santa Rosa do Purus é um dos municípios isolados do estado, os meios de acesso são apenas por barco ou avião.
O g1 questionou o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) se irão investigar as causas do acidente. Em nota, o órgão disse que os investigadores do Sétimo Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Seripa VII), órgão regional do Cenipa, foram acionados para realizar a ‘Ação Inicial da ocorrência’ envolvendo a aeronave.
“Na Ação Inicial, são utilizadas técnicas específicas, conduzidas por pessoal qualificado e credenciado que realiza a coleta e a confirmação de dados, a preservação dos elementos da investigação, a verificação inicial de danos causados à aeronave, ou pela aeronave, e o levantamento de outras informações necessárias à investigação. A conclusão da investigação terá o menor prazo possível, dependendo sempre da complexidade da ocorrência e, ainda, da necessidade de descobrir os possíveis fatores contribuintes”, complementou a nota.
De acordo com o governo do Acre, o avião caiu logo após a decolagem, a 1 quilômetro da cabeceira da pista de Manoel Urbano, e estava a caminho de Santa Rosa do Purus, distante 150 km do município onde ocorreu o acidente.
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