Beijo na boca, copo compartilhado: saliva pode facilitar doenças causadas por bactérias e vírus


Micro-organismos podem se manifestar de maneiras diferentes em cada pessoa e riscos de contaminação vão de herpes simples e mononucleose a HPV, gonorreia e sífilis. Parede de beijos colorida
Reprodução/Instituto Proeza
Cada pessoa tem, em média, 50 bilhões bactérias dentro da boca. Quando duas delas se beijam, ainda que este beijo não dure mais do que dez segundos, podem transferir até 80 milhões de bactérias e é a saliva a grande responsável por essa troca de micro-organismos de um lado para o outro.
É por meio dela que o indivíduo pode desenvolver diversos tipos de doença, que vão da herpes simples e da mononucleose, até HPV, gonorreia, sífilis e hepatite A.
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No Carnaval, a probabilidade de se beijar diferentes bocas é sempre mais alta, mas os cuidados com a saúde precisam, sim, ser reforçados para que se possa evitar o contágio, como explica o infectologista Luis Felipe Visconde, do Grupo São Lucas, em Ribeirão Preto (SP).
“O beijo é uma via possível de transmissão quando a gente fala das infecções bacterianas, mas outro ponto importante é que, além de bactéria, a gente tem vírus [na boca]. Epstein-Barr [mononucleose] e herpes, normalmente, são doenças que têm um período de incubação mais curto. Herpes, normalmente após contato, a gente tem manifestação em duas semanas”.
Segundo ele, a boca é extremamente colonizada e algumas bactérias que podem colonizar algumas pessoas nem sempre estão presentes na outra. Por isso que manter a imunidade é importante.
“Algumas pessoas vão viver com essas bactérias sem, necessariamente, manifestar sintomas ou tendo sintomas muito leves. Eventualmente, podem apresentar quadros de gengivites, abcesso dentário, coisas nesse sentido”.
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Visconde diz que não há, na literatura médica, estudos sobre surtos de mononucleose ou herpes durante Carnaval, mas há, de fato, recortes em contextos de aglomeração.
“A gente sabe que realmente aumentam a chance de surtos de mononucleose e faringite bacteriana associadas à aglomerações e festas. É relatado, provavelmente, por conta de comportamento mesmo, de beijar diferentes bocas”.
Flagrante de um beijo no meio da folia em Olinda
Aldo Carneiro/Pernambuco Press
Por que doenças merecem atenção
Médica infectologista do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (HCFMRP-USP), Karen Mirna Loro Morejón explica que, dependendo do caso, algumas dessas doenças desenvolvidas na boca podem evoluir para formas mais graves.
“É importante procurar assistência médica caso apresentem lesões orais ou cutâneas, febre ou gânglios”.
Visconde conta que, em algumas situações, a mononucleose pode fazer não só as ínguas incharem, mas também o baço do paciente, que é um órgão de defesa.
“É um quadro que a gente chama de esplenomegalia e quando isso acontece de forma muito exacerbada, o baço pode crescer muito e o paciente tem risco de ruptura desse órgão com sangramento”.
Beijar na boca é bom, mas os excessos podem causar uma série de problemas de saúde
Mateus Rigola/g1
Uma das orientações em um diagnóstico de mononucleose aguda é o paciente fazer repouso, justamente por conta do risco de rotura esplênica.
“O herpes, é mais difícil a gente ver complicações. A gente só vê mais complicações naqueles pacientes que têm alguma doença de base imunológica, são imunossuprimidos, fazem quimioterapia”, diz o infectologista.
Mononucleose e herpes
Das doenças mais comuns transmitidas pela saliva, mononucleose (também conhecida como doença do beijo) e herpes simples se apresentam de maneira diferente no organismo. Enquanto uma é caracterizada por quadro febril acentuado, a outra se manifesta por meio de lesões. Veja abaixo os principais sintomas:
Mononucleose: febre alta, dor de garganta, formação de placa bacteriana, faringite purulenta, adenomegalia (inchaço das ínguas, que são os linfonodos, órgãos de defesa do corpo)
Herpes simples: sintomas locais e sistêmicos, sem febre, manifestação de lesões — muitas vezes, dolorosas — no canto da boca
Cada um com seu copo na folia para evitar qualquer tipo de contaminação pela saliva
Reprodução/EPTV
Bebidas não devem ser compartilhadas
Outro alerta importante para o risco de doenças nesta época do ano é o compartilhamento de bebidas, que, assim como o beijo, pode ativar a troca de bactérias e vírus de uma pessoa para outra.
“Muitas vezes, ferimentos na boca ou cáries também podem ser portas de entrada para agentes infecciosos, então esse é um outro cuidado que a gente tem de ter”, apontaVisconde.
Ainda pior, a falta de higienização de produtos comprados no comércio ambulante é mais uma porta de entrada de micro-organismos pela boca.
Um estudo da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) analisou a quantidade de fungos e bactérias que as embalagens de bebidas podem apresentar. Em apenas uma latinha de cerveja, foram localizados 45 mil bactérias e 9,7 mil fungos.
“Uma recomendação que a gente dá de forma global e no Carnaval, lógico, como tem circulação maior de pessoas isso se reforça, é higienizar a entrada da latinha. É sempre importante, até pensando em outras infecções que são mais raras, mas que podem acontecer também”, ensina o médico.
Vendedor ambulante de bebidas em Ribeirão Preto, SP
Acervo EP
Para a limpeza correta, ainda que no meio do bloco, o ideal é ter em mãos alguma substância acética. Segundo Visconde, álcool 70% e até mesmo água e sabão podem ser úteis da mesma maneira.
“É sempre importante, dentro do possível, fazer um higienização da latinha. Se disponível, com substância acética ou mesmo álcool gel. Quando não disponível, pelo menos, com água e sabão”.
Além de bebidas com teor alcóolico, águas e sucos, que ajudam a hidratar durante a folia, também devem ser motivo de atenção.
“Utilizar somente água filtrada ou água mineral, que esteja devidamente lacrada. É importante estar seguro que sucos naturais sejam feitos com água mineral ou filtrada, que o gelo seja gelo comestível e que as frutas foram devidamente higienizadas. Na dúvida, melhor evitar sucos naturais”, alerta Karen.
Com a prática do isolamento social, batom foi abandonado durante a pandemia.
Jan Woitas/DPA Picture-Alliance via AFP/Arquivo
Boca também pode ser porta de entrada para ISTs
Algo ainda mais grave pode acontecer quando a boca é porta de entrada para micro-organismos e isso tem a ver com o sexo oral. É por ela que algumas Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST) atingem o indivíduo.
“A gente está falando tanto de herpes, quanto clamídia e HPV [Papilomavírus Humano], que também podem ser transmitidos. A boca é uma via sexual muito subestimada em termos de risco de transmissão, mas a gente sabe que várias ISTs, praticamente todas, podem ser transmitidas. Algumas, logicamente, com mais chances do que outras”, alerta Visconde.
Segundo ele, herpes genital é um exemplo da forma que uma IST pode ser transmitida pela boca. A lista ainda inclui gonorreia e, mais raramente, hepatites e até HIV.
“A gente tem pouquíssimos casos [de transmissão de HIV pela saliva] na literatura, mas há também alguns registros”.
Sintomas e sinais de alerta
De acordo com o infectologista Luis Felipe Visconde, já foram descritas mais de 500 espécies de bactérias que compõe a microbiota da boca.
O especialista listou os principais sintomas de cada uma das Infecções Sexualmente Transmissíveis.
Sífilis: lesão ulcerada, normalmente com pouca dor, que pode demorar pra cicatrizar. É bem parecida com uma afta
Herpes: lesões bolhosas pequenas e dolorosas que, normalmente, aparecem no canto da boca
HPV: pequenas verrugas indolores que podem acometer a parte externa da boca e da língua
Gonorreia: muita pessoas podem ter infecção assintomática, mas, em alguns casos, se manifestam sintomas similares ao de uma dor de garganta bacteriana
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