Após enfrentar crises depressivas com ajuda da xilogravura, artista transforma técnica milenar em profissão: ‘Bote salva-vidas’


No momento em que a depressão fez com que Cadu Souza, artista visual de Sorocaba (SP), se afastasse de tudo, foi por meio da xilogravura que ele pôde mergulhar na sua própria história. Artista de Sorocaba (SP) conseguiu enfrentar crises depressivas por meio da xilogravura
Arquivo pessoal
Os traços que dão forma a pedaços de madeira pelas mãos de Cadu Souza, de 52 anos, nascido em Sorocaba (SP), são mais do que uma expressão artística. Eles também funcionam como um grande aliado contra a depressão. Afinal, foi por meio da técnica milenar da xilogravura que o artista visual conseguiu vencer quadros depressivos.
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Cláudio Alessandro, conhecido como Cadu, é conectado com o mundo das artes desde sempre. Começou no teatro logo criança, com apenas sete anos de idade, ainda na escola. Anos depois, em 1999, se profissionalizou e foi para São Paulo (SP) com um grupo da cidade natal em busca de alavancar sua carreira. Entretanto, foi em outra arte que ele se encontrou.
“Em 2010, tive uma crise depressiva muito, mas muito forte, em que acabei me afastando de tudo. Minha esposa da época era artista e foi quem me apresentou a técnica de entalhar na madeira figuras, o que chamamos de xilogravura. Ela tinha os instrumentos em casa, e foi assim que eu comecei a minha história com a ‘xilo'”, explica.
Cadu Souza, artista visual de Sorocaba (SP), mostra o material utilizado para a técnica de entalhar madeira
Arquivo pessoal
Xilogravura como terapia
Artista de Sorocaba (SP) encontrou na xilogravura uma forma de enfrentar crises depressivas
Arquivo pessoal
No momento em que a depressão fez com que Cadu se afastasse de tudo, foi por meio da xilogravura que ele pôde se reconectar com ele mesmo e mergulhar na sua própria história.
“Quando começava a talhar a madeira, foi um momento em que comecei a relembrar a minha infância, época muito importante na minha trajetória e que, naqueles momentos de crise, se perdiam. Poder relembrar todas essas memórias em Sorocaba foi como uma terapia, um bote salva-vidas”, relata o artista.
Hoje em dia, Cadu segue tratando a depressão com a ajuda de especialistas e de terapia. Além disso, o que antes ele usava para se distrair e se acalmar durante as crises acabou virando não só uma paixão, mas também a sua mais nova profissão.
Xilogravura como emprego
Xilogravuras do Benedito
Arquivo pessoal
No começo, Cadu não tinha a intenção de transformar a terapia em trabalho, mas, conforme seus amigos foram tendo conhecimento de sua arte, os pedidos começaram a chegar.
Além dos amigos, ele começou a publicar suas produções nas redes sociais, o que fez com que sua forma única de trabalhar chamasse a atenção das pessoas. Consequentemente, a demanda de encomendas começou a crescer.
Foi assim que a Xilogravuras do Benedito, ateliê e loja de Cadu que leva o nome em homenagem ao seu avô, nasceu.
De acordo com a última conta, feita pelo artista em 2018, foram mais de 480 histórias contadas através da técnica milenar. Mas, atualmente, esse número é bem maior.
Cadu também trabalha com aulas e oficinas de xilogravura.
Contando histórias
Cadu Souza, artista de Sorocaba (SP), conta histórias por meio da xilogravura
Arquivo pessoal
Ao longo desses 11 anos dedicando a vida para eternizar pessoas e momentos, Cadu destaca que o mais marcante nesse trabalho é o quanto as pessoas podem ser tocadas de formas diferentes por meio da sua arte.
“A minha forma de trabalhar é bem única. Eu gosto de ouvir as histórias do casal, da família, ou do que a pessoa deseja retratar no pedaço de madeira, que, em seguida, será transferido para um papel como uma espécie de carimbo, fazendo uma releitura poética de momentos e pessoas especiais e, até mesmo, captar por meio de uma palavra-chave a essência para produzir a arte”, conta.
“Já contei muitas histórias, de pessoas que já estavam em processo de partida, processo de separação de casais, filha se reencontrando com o pai que não via durante anos, enfim, são histórias, muitas das vezes delicadas, em que a xilogravura entra como uma peça, de repente, que faltava para encerrar um ciclo. Sem contar que, às vezes, vão de encontro inclusive com todo o processo que vivi no começo da depressão com a xilogravura”, continua.
‘Faz parte de mim’
Além da sensação de ter sido “salvo” pela xilogravura, Cláudio diz que a maneira como enxerga arte nas coisas mudou após ter começado a praticar a técnica milenar.
“A importância da ‘xilo’ na minha vida é vital. Ela preenche o meu dia. Tudo o que eu penso, o meu jeito de olhar as coisas, o mundo… É tudo influenciado pela xilogravura. Às vezes, caminhando pelas ruas, imagino as histórias que as pessoas carregam com elas e, chegando no meu ateliê, reproduzo nas minhas peças. Não tem como desassociar o Cadu da xilogravura, já faz parte de mim”, finaliza.
Antigo método de impressão
Xilogravura é considerada como um dos métodos de impressão mais antigos
Divulgação
A xilogravura é considerada um dos métodos de impressão mais antigos. A técnica de origem chinesa se baseia no corte de uma figura em superfície de madeira, com o auxílio de um objeto cortante, criando um relevo na peça, como uma espécie de carimbo. Em seguida, a peça é coberta de tinta e, assim, impressa em outro local, como um tecido ou papel.
No Brasil, a xilogravura teve sua introdução durante o século 16, com a chegada dos portugueses. Inicialmente, ela foi utilizada para ilustrar livros e documentos, sendo uma forma de comunicação visual importante na época. Contudo, foi no nordeste brasileiro, especialmente em Pernambuco, que a xilogravura se destacou como expressão artística popular.
Na década de 1920, artistas como José Francisco Borges e J. Borges começaram a popularizar a xilogravura no contexto da literatura de cordel. Essa técnica tornou-se um marco na identidade visual e cultural do nordeste do Brasil, sendo utilizada para ilustrar folhetos de cordel que narravam histórias populares.
*Colaborou sob supervisão de Ana Paula Yabiku
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