Sem patrocínio, blocos de rua cancelam desfiles no carnaval de SP


A três dias do pré-carnaval, ao menos 20 agremiações, incluindo um megabloco, desistiram de ir para a rua e se queixam da falta de investimento por parte de marcas e de desorganização da prefeitura. Gestão municipal disse que ‘blocos cadastrados terão a estrutura necessária para a realização dos desfiles’. Multidão lota Vale do Anhangabaú, em São Paulo, no bloco Domingo Ela Não Vai em 2017
Hélvio Romero/Estadão Conteúdo
O carnaval de rua de São Paulo deste ano será menor do que o previsto: ao menos 20 dos 579 blocos autorizados a desfilar pela capital desistiram, e o principal motivo é a falta de recursos, mas eles reclamam também de desorganização por parte da prefeitura e questionam o modelo de organização do evento.
Entre os desistentes está o megabloco Domingo Ela Não Vai, que desfila em São Paulo desde 2016 e arrasta multidões.
Alberto Pereira Junior, cofundador do bloco e representante do Blocão, conta que estão desde o fim do ano passado tentando viabilizar o desfile, mas na terça-feira (30) entenderam que não seria possível.
“A gente lutou até ontem, mas tem uma hora que, pela nossa sanidade mental, a gente precisa desistir também. Tem hora que só a vontade não é suficiente, é preciso partir para a realidade. Voltaremos no ano que vem com mais força, estrutura, energia renovada e num novo modelo.”
“Faltam estrutura e pensamento a longo prazo para o carnaval de rua por parte do poder público. Precisa de um olhar de Estado, não de governo, para investir no carnaval de rua”, completou.
Foliões curtem o bloco Meu Santo é Pop, no Largo do Arouche, em São Paulo (SP), em 2018
Ananda Migliano/Futura Press/Estadão Conteúdo
Há também alguns que saíam mais de um dia e optaram por cancelar parte dos cortejos, como o Jegue Elétrico, e outros que ainda tentam viabilizar os desfiles, como o Lua Vai e o Samby e Junior.
Blocos que cancelaram desfiles até a última atualização desta reportagem:
Domingo Ela Não Vai
Meu Santo é Pop
Explode Coração
Bloco Emo
Chá da Alice
Bloco dos Ursos
Perikitas em Chamas
A Madonna Tá Aqui
Abra Alas
Carnavelhas
Alegrando as Ruas e Corações
Vai Você em Dobro
Grande Família
Coletivo Missa
Aloha Portal
Sonido Trópico
Bloco G
Encontro de Fanfarras
Desandei
Ayabass
O Bloco da Preta, apesar de ter sido citado pela Subprefeitura da Vila Mariana entre os cancelados, nunca confirmou que desfilaria.
Zé Cury, coordenador do Fórum de Blocos do Carnaval de Rua, que representa 215 blocos da cidade, avalia que o cancelamento de blocos é normal no carnaval, mas há um movimento atípico neste ano.
“Sempre tem uma queda de entre 10% e 20% do que a gente vê de inscritos em outubro e dos que realmente vão para a rua no final. O que é novo neste ano é que quem se articula normalmente para ter o seu próprio bloco ficou prejudicado pela falta de esclarecimentos da prefeitura, do próprio atraso da definição do patrocinador master. Isso tudo deixou o mercado de possíveis patrocinadores em stand-by, e muita gente não conseguiu, porque só em meio de janeiro saiu o edital de quem seria realmente o patrocinador [do carnaval] da cidade”, afirma.
Segundo ele, o patrocinador decide como vai distribuir a verba do patrocínio e, com isso, alguns blocos ficam inviabilizados de sair na rua.
Bloco da Maria, da cantora Maria Rita, que estreou no carnaval de rua de São Paulo em 2023 desfilando em frente ao Parque do Ibirapuera
SUAMY BEYDOUN/AGIF – AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/AGIF – AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Thais Haliski, da Comissão Feminina do Carnaval de Rua de São Paulo, diz que os cancelamentos já eram esperados pelos organizadores dos blocos.
“O edital de fomento tem etapas que contemplam datas que não convergem com o carnaval de 2024, ou seja, o bloco precisa de fomento para o ano de desfile, e não para receber esse valor depois. Por quê? Porque ele não tem garantia de que vai receber o dinheiro. O edital de fomento não é para todos os blocos, ou seja, o bloco pode se inscrever, aguardando ser contemplado, mas ele pode não receber, porque temos 579 blocos inscritos na cidade, e o fomento é para 100, ou seja, não é para todo mundo, a grande maioria não tem fomento da cidade.”
Ela questiona o modelo do carnaval de rua em vigor na capital e vê nos cancelamentos em série um sinal de que, se não houver mudança, o evento deve perder força: “Somos os protagonistas do carnaval, organizamos a festa dessa parte de organização dos blocos, e a prefeitura é responsável pelo planejamento, estrutura na cidade, organização de serviços para receber uma demanda absurda de turistas ⏤ esse modelo está provado que não dá certo. O carnaval de São Paulo vai minguar e vai chegar uma hora que todo mundo vai desistir e vai voltar a ser o que São Paulo era, que todo mundo no carnaval viajava para a praia”.
Lira Alli, da liderança do Arrastão dos Blocos, também reclama da organização: “É muito complicado porque tem gente que ensaiou o ano inteiro, se preparou o ano inteiro para isso. E aí chega na hora H e tá encontrando dificuldades muito objetivas e concretas. É muita irresponsabilidade não pensar com antecedência no Carnaval. Eu acho que é bem possível que a gente neste ano tenha a maior taxa de cancelamento de blocos na cidade de São Paulo. E isso é triste porque a grande característica do carnaval de rua de São Paulo é a sua diversidade”.
Eduardo Viola, produtor do Bloco dos Ursos, diz que, quando olharam o cenário, perceberam que a decisão mais “saudável” era suspender o desfile neste ano. “E continuar na luta para buscar recursos para que, no ano seguinte, a gente consiga ter uma gestão que converse melhor com os blocos, que oriente ou que apresente também um plano.”
Jorge Minoru, do Meu Santo É Pop, conta que, mesmo tendo organizado duas festas, o bloco não conseguiu atingir o valor mínimo para o desfile. “Neste ano nenhuma marca quis patrocinar o bloco. Até pedimos para a prefeitura para fazermos um bloco parado, que o custo é menor, mas não autorizaram. Estamos tristes, com o coração apertado porque a gente sabe o quanto o bloco é importante para o carnaval de São Paulo.”
Zé Cury finaliza: “O que é chato é que o poder público se vangloriar de ter o maior carnaval do Brasil, mas as pessoas que fazem isso acontecer são os blocos, não é a prefeitura. A prefeitura só dá os serviços de estrutura, que é a parte dela. Fica a tristeza de a gente não poder colaborar para que o carnaval seja melhor e, ao contrário, sofrer represálias em relação às coisas mais tradicionais de uma festa de carnaval, como ter que parar de tocar às 18h. O reflexo é esse, é a tristeza no maior carnaval do Brasil”.
O que diz a prefeitura
A Prefeitura de São Paulo afirma que a Secretaria Municipal das Subprefeituras realiza reuniões constantes com os organizadores dos blocos nas 32 subprefeituras da cidade desde dezembro do ano passado e que todos os trajetos foram analisados em conjunto com a comissão especial do evento. Diz também que os blocos cadastrados terão a estrutura necessária para a realização dos desfiles.
Sobre o cancelamento dos desfiles, no entanto, a prefeitura não encaminhou resposta até a última atualização desta reportagem.
Adicionar aos favoritos o Link permanente.