EMTU descumpre 19 decisões judiciais que determinam transporte gratuito a crianças com autismo, surdez e Down em Cotia


Justiça concedeu antecipação da tutela em 23 ações judiciais e determinou que o programa da EMTU com a Secretaria da Educação do Estado, que garante transporte especial a estudantes com deficiência, também seja fornecido para crianças que não são alunas da rede estadual. Secretaria informou que ‘já iniciou os atendimentos’. Serviço Especializado Ligado é feito pela EMTU em parceria com a Secretaria da Educação do Estado
Divulgação/EMTU
A Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU), controlada pelo governo do estado de São Paulo, descumpre 19 decisões judiciais que determinaram que a empresa disponibilize transporte gratuito especial a crianças com espectro autista, surdez e Síndrome de Down que estudam em Cotia, Grande SP, e têm entre 2 e 8 anos.
Esse tipo de transporte é feito pelo Serviço Especial Conveniado – Ligado que se dá através de contrato da EMTU com a Secretaria da Educação do Estado nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Campinas desde 2009.
O serviço, conforme a resolução nº 27/2011 e nº 95/2011, é somente aos alunos regularmente matriculados na Rede Regular de Ensino estadual e demais instituições conveniadas ou credenciadas. A frota não é própria, mas feita por operadores credenciados à Secretaria dos Transportes Metropolitanos.
Porém, 23 mães de crianças que estudam em escolas municipais e privadas de Cotia se uniram no começo do ano e entraram com ações judiciais para que o transporte também possa atendê-las.
Elas alegam que não conseguiram transporte gratuito especial para crianças com deficiência fornecido pelo município já que não entram em requisitos exigidos, um deles a criança ter no mínimo 4 anos e ter distância mínima de 2 quilômetros entre a escola e casa.
Além disso, o SEC-Ligado é o único serviço especializado, pois motoristas e monitores são treinados para lidar com as crianças e adolescentes, e frequentam curso de Transporte Escolar de Crianças com Deficiência e Mobilidade Reduzida, ministrado pelo SEST/Senat ou outra instituição credenciada pelos órgãos de trânsito e transporte.
O g1 procurou a EMTU, mas a demanda foi direcionada à Secretaria da Educação, que respondeu, por meio de nota, que “já iniciou os atendimentos” para atender as crianças não contempladas pela prefeitura de Cotia (leia nota completa abaixo).
Em nota, a Prefeitura de Cotia afirmou que tem convênio com a Secretaria do Estado de São Paulo para o Transporte Escolar Gratuito (TEG) e passe escolar, e que 374 alunos com deficiência são atendidos pelo TEG. Porém, ressaltou que a legislação municipal 1783/2013 especifica os critérios para utilização do benefício (veja nota da prefeitura abaixo).
“Elas se uniram e procuraram nosso escritório. Achei uma boa causa para lutar. As mães precisam desse tipo de transporte para que os filhos possam ir até as escolas de uma forma segura e eficaz em Cotia, e o Estado de São Paulo tem a obrigação de dar esse suporte. Temos nas ações crianças que moram em Jandira e Embu das Artes, mas estudam em Cotia e precisam também”, afirmou o advogado Raphael Blaselbauer, que representa as 23 famílias.
Todas as 23 ações judiciais que foram protocoladas este ano tiveram deferimento por parte da Justiça, com antecipação de tutela concedida. O último deferimento foi concedido na noite desta quarta-feira (15). Porém, até a manhã desta quinta-feira (16) apenas 3 tinham sido cumpridas por parte da EMTU. O prazo para cumprir é no máximo de dez dias na maioria das ações e já expirou.
A deferida nesta quarta é de cumprimento imediato. Como o g1 não sabe se o estado já foi notificado, não contabilizou essa vigésima decisão judicial.
Fernanda Pereira de Aguiar é mãe de uma menina de 2 anos e um menino de 4. Ao g1, ela disse que os dois filhos têm espectro autista e estudam no Centro Educacional Atalaia, creche municipal. Ela afirma que precisa muito de um transporte gratuito especial que atenda as crianças.
“A prefeitura de Cotia tem o TEG [Transporte Escolar Gratuito], mas ele não atende todos os lugares e tem limite de quilômetro, além de não ter disponibilidade para todas as crianças. Por isso, eu pago R$ 420 todo mês para um carro particular que leva só eles. A perua convencional eu não confio porque se soltar a mão dos meus filhos eles correm para a rua. Ajudaria demais ter esse transporte”.
Fernanda decidiu unir outras mães que passam pela mesma situação e criou a Associação Colo de Mãe, da qual se tornou presidente.
“No total, atendemos mais de 500 famílias atípicas. Temos feito de tudo para garantir transporte adequado, incluindo contatos com a escola, a Secretaria da Educação, a EMTU e até mesmo buscando liminares, das quais obtivemos sucesso. No entanto, essas decisões não estão sendo cumpridas. Temos famílias com duas crianças em cadeiras de rodas de nível 3, mães com filhos de alto peso que precisam percorrer longas distâncias até chegar ao ponto de ônibus. A situação é urgente e precisa de solução”.
Motoristas de transporte escolar para crianças com necessidades especiais protestam em frente à Assembleia Legislativa de SP
Reprodução/TV Globo
A ação judicial referente ao transporte para os filhos de Fernanda foi deferida pela Justiça no dia 22 de março deste ano. Na decisão, a juíza Andressa Martins Bejarano alegou que antecipação da tutela deveria ser concedida para que as crianças tenham acesso à educação.
“Depreende-se do art. 208, inciso I, da Constituição Federal, que é dever do Estado a garantia de acesso ao ensino fundamental, obrigatório e gratuito; o art. 53, inciso V, da Lei 8.069/90, assegura às crianças e adolescentes o acesso à escola pública e gratuita próxima de sua residência, a Lei Municipal no 1.783/13 garante o transporte escolar gratuito a quem tenha no mínimo 04 anos de idade, residência fixa no município de Cotia a uma distância de 2 quilômetros do estabelecimento de ensino, e ainda àqueles com necessidades educacionais especiais, dentre os quais autista com quadro associado de deficiência”, afirmou a juíza.
“Também se faz presente o periculum in mora. O(A) requerente necessita do transporte escolar na maior brevidade possível, pois o menor depende da rede pública para ter efetivado seu direito à educação. Ademais, cada dia que permanecer fora da escola representará irreversível prejuízo ao seu desenvolvimento cognitivo, motor, afetivo e social”.
Na decisão, a Justiça também determinou que a EMTU fornecesse o transporte diferenciado e especializado nos dias e horários que forem necessários no prazo de 10 dias, sob pena de incidência de multa diária no valor de R$ 3 mil.
Porém, Fernanda alega que quase dois meses após a decisão ainda não teve o serviço fornecido pela EMTU aos filhos.
O caso é semelhante ao da dona de casa Rosemar Aparecida de Morais Barbosa. Ela conta que tem um filho de 3 anos com espectro autista matriculado no Centro Educacional José Roberto Maceno, creche municipal.
A decisão judicial de 11 de abril determinou o serviço. Porém, ainda não foi fornecido, diz Rosemar.
“Já solicitamos assistência em todos os órgãos responsáveis e, por último, obtivemos liminar. Agora, apenas falta a EMTU cumprir com sua parte. Moramos muito longe do ponto de ônibus e tenho um sério problema de coluna. Meu filho também é pesado, o que torna a situação ainda mais difícil. Precisamos urgentemente de ajuda”, diz.
E complementa: “Eu moro no Bairro Mirante da Mata. A escola é no mesmo bairro, mas é morro e 20 minutos subindo com ele, e ele pesa 22 quilos. E eu tenho problema na coluna e tenho condromalacia patelar nos 2 joelhos. Além dessa dificuldade todos os dias de manhã, ainda tem as terapias. Segundo os médicos, ir para escola e uma das maneiras de socialização e comunicação, já que ele é não verbal. Eu saí do trabalho para cuidar dele. Estou desempregada”.
Neia Oliveira é mãe de uma criança de 6 anos que tem espectro autista com Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e também pediu pelo transporte.
“Vivemos muito longe do ponto de ônibus e, para ajudar, estou lidando com um joelho lesionado. Mesmo assim, tenho feito faxinas para pagar o transporte dele. No entanto, ultimamente, a dor no joelho se agravou, e tive que cancelar o transporte. Só estou aguardando a EMTU cumprir. O advogado já fez até o pedido da multa diária que o juiz determinou”.
“A EMTU adota postura de flagrante desobediência ao Poder Judiciário. Ordem judicial tem que ser cumprida. Não obstante o manejo da imediata execução das penas de multa diária à empresa, ingressaremos com pedido ao Ministério Público do Estado de São Paulo, para que apure eventual crime de desobediência do presidente da empresa. A situação é urgente e os menores já tiveram seus direitos chancelados pelo poder público, nega-los Direito Fundamental é um ilícito qualificado, absurdo e repugnante”, ressaltou o advogado de defesa das famílias, Raphael Blaselbauer.
O que diz a Secretaria da Educação
“O atendimento pelo Serviço Especial – SEC é viabilizado pela EMTU para estudantes de escolas públicas e de instituições conveniadas, conforme resolução da Secretaria de Estado da Educação 27/2011.
Em situações em que a instituição não é de responsabilidade do Estado, os casos são analisados individualmente para, além de outros fatores, adequar o transporte de acordo com a idade e necessidade de cada aluno. Com relação as demandas judiciais não contempladas pela prefeitura de Cotia, a Secretaria de Estado da Educação já iniciou os atendimentos e trabalha para ampliar o serviço.”
O que diz a prefeitura de Cotia
A Prefeitura de Cotia tem convênio com a Secretaria do Estado de São Paulo com as seguintes modalidades: TEG (Transporte Escolar Gratuito) e passe escolar.
No município 374 alunos com deficiência (cegos, deficiência intelectual, autista com quadro de deficiência física, cadeirantes etc) são atendidos pelo TEG especial, em veículo adaptado, destes 73 são cadeirantes.
A legislação municipal 1783/2013 especifica os critérios para utilização do benefício de transporte escolar.
Art 3º A concessão do benefício do programa de Transporte Escolar fica condicionada à observância, pelos alunos, dos seguintes requisitos:
I – no caso do Transporte Escolar Gratuito – TEG:
a) estar matriculado na educação básica obrigatória;
b) ter, no mínimo, 4 (quatro) anos de idade; e
c) ter residência fixa no município de Cotia, a uma distância mínima de 2 (dois) quilômetros do estabelecimento de ensino;
Art 4º o programa de transporte escolar na modalidade TEG será fornecido aos alunos com necessidades educacionais especiais nos seguintes casos:
I – cadeirante ou deficiente físico com perda permanente das funções motoras dos membros, que impeça a locomoção de forma autônoma;
II – autista, com quadro associado de deficiência;
III – deficiente intelectual, com grave comprometimento e com limitações significativas de locomoção;
IV- com deficiência múltipla que necessite de apoio contínuo;
V – cego ou com visão subnormal, que não apresente autonomia e mobilidade necessárias e suficientes para se localizar e percorrer, temporariamente, o trajeto casa/escola.”
§ 1º os alunos de que trata este artigo serão transportados em carros adaptados.
§ 2º a necessidade de acompanhante ou a redução do limite de 2 (dois) quilômetros entre a residência e a unidade escolar deverá ser certificada mediante relatório médico ou autorizada pelo departamento de educação especial da secretaria municipal da educação.”
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