
Quase 90% delas têm áreas de ocorrência mal protegidas e 15% das espécies analisadas não têm qualquer proteção. Espécie mede cerca de dois centímetros e tem hábitos diurnos.
Divulgação / Instituto Boitatá
O Cerrado, a maior savana tropical do mundo e um dos biomas mais ricos em biodiversidade, enfrenta um desafio sem precedentes. Um estudo publicado na revista Biological Conservation revelou que o número de espécies endêmicas de vertebrados terrestres descritas na região aumentou 190% nos últimos 20 anos.
No entanto, a descoberta vem acompanhada de um alerta preocupante: muitas dessas espécies estão em áreas sem proteção adequada e correm risco de extinção devido à destruição acelerada de seus habitats naturais.
Os pesquisadores descobriram que cerca de 87% das espécies endêmicas do Cerrado têm menos de 17% de suas áreas de ocorrência protegidas por unidades de conservação. Mais preocupante ainda é que 15% delas não têm qualquer proteção em áreas preservadas.
“Ao mesmo tempo que estamos descobrindo e descrevendo uma parcela importante e insubstituível da biodiversidade do Cerrado, estamos vivenciando a degradação rápida e irreversível dessas faunas”, comenta Cristiano de Campos Nogueira, professor da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Um dos répteis presentes endêmicos do Cerrado é a cobra-de-duas-cabeças
christian marty / iNaturalist
O estudo revela também que mais de 50% da vegetação nativa do Cerrado já foi perdida, uma taxa de desmatamento 2,5 vezes maior do que a da Amazônia. Ao todo, menos de 11% do bioma está dentro de áreas protegidas, deixando muitas espécies vulneráveis.
Liderada pelo pesquisador João Paulo Vieira Alencar e colaboradores de diferentes universidades, a pesquisa mostra que essa diversidade foi historicamente subestimada. Desde os anos 2000, foram descobertas, em média, seis novas espécies por ano, com destaque para anfíbios e répteis.
No total, o Cerrado abriga pelo menos 340 espécies endêmicas de vertebrados terrestres, o que reforça sua importância como um dos principais “hotspots” de biodiversidade do planeta. A lista inclui:
124 anfíbios
129 répteis
45 aves
42 mamíferos
Por conta da combinação entre de sua grande riqueza em espécies endêmicas e do alto grau de degradação e perda de hábitat, o bioma é considerando um “hotspot” global de biodiversidade – ou seja, é uma área prioritárias para a conservação no mundo todo.
“Em 2000, grande parte das espécies endêmicas de vertebrados terrestres do Cerrado sequer havia sido descrita. Hoje, temos um aumento na prioridade do Cerrado, uma vez que conhecemos muito mais endemismos e ao mesmo tempo há muito menos áreas nativas preservadas. Ou agimos agora ou lamentaremos para sempre”, afirma o especialista.
Lobo-guará é considerado Vulnerável (VU) pelo ICMBio
Reprodução/BBC/Globo
Além disso, nele está contido um conjunto muito grande de tipos de ambiente. Desde campos abertos, como campos limpos, savanas, áreas úmidas e nascentes como veredas e florestas de galeria.
“Esse mosaico complexo de ambientes, que ocorre principalmente nas terras altas do centro do continente, está em contato direto com diferentes regiões biogeográficas, como Amazônia, Caatinga e Mata Atlântica, ocupando uma porção central entre essas grandes regiões”.
Ameaças
De acordo com Nogueira, as ameaças centrais ao Cerrado são o desmatamento para a expansão das áreas agrícolas e monoculturas mecanizadas. “Esse desmatamento gera a extinção local das espécies, e gera também a fragmentação dessas populações. Quanto menores e mais isoladas as populações destas espécies, mais suscetíveis à extinção”, diz.
Aplicação de queima controlada em área de Cerrado aberto ou típico
Giselda Durigan/Unicamp
Segundo ele, as mudanças climáticas não foram consideradas no estudo, o que significa que os efeitos da perda de habitat sobre a fauna do bioma podem ser ainda mais drásticos.
“Os impactos das mudanças de clima são potencializados pelos impactos da perda de habitat, pois uma espécie numa região fragmentada, vivendo em pequenas ilhas de Cerrado em meio à soja ou outras monoculturas, terá muito menos chances de se dispersar para outra região mais favorável”.
“Se nada for feito, um grande evento de extinção das biotas do Cerrado deverá ocorrer ainda nestas próximas décadas”, completa.
O que pode ser feito
O estudo enfatiza a necessidade urgente de ampliar a rede de áreas protegidas do Cerrado e de fortalecer políticas ambientais que impeçam o avanço do desmatamento.
“Boa parte das espécies endêmicas está pouco protegida em parques e reservas. Para solucionar isso, é preciso criar novas áreas protegidas, em diferentes regiões e porções do Cerrado, evitando que toda a distribuição de uma dada espécie fique completamente descoberta por UCs”, finaliza o especialista.
Além disso, os cientistas sugerem que a restauração ecológica pode ser uma estratégia valiosa para mitigar a perda de biodiversidade. Incentivos para a criação de reservas particulares e programas de recuperação de áreas degradadas são medidas que podem ajudar a garantir a sobrevivência da fauna do Cerrado.
Cada pessoa pode contribuir para a conservação do Cerrado. Apoiar iniciativas de preservação, cobrar políticas públicas mais eficazes, consumir produtos de origem sustentável e disseminar informações sobre a importância do bioma são algumas formas de ajudar.
VÍDEOS: Destaques Terra da Gente
Veja mais conteúdos sobre a natureza no Terra da Gente