5 anos da pandemia de Covid: carros dentro de shopping, música no portão e hospitais improvisados foram medidas adotadas no interior de SP


Durante o período pandêmico, cidades das regiões de Bauru, Itapetininga, Rio Preto e Sorocaba implementaram medidas não apenas na área da saúde, mas também na economia e educação. Em uma série de reportagens o g1 relembra os impactos da Covid-19 no interior de SP. Cinco anos da pandemia: relembre as medidas emergenciais adotadas durante o combate à Covid-19
Getty Images
Há cinco anos, em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) classificou a Covid-19 como uma pandemia. Até então, o termo era mais comum no meio científico e nos estudos históricos, sem fazer parte do vocabulário cotidiano da população. Hoje, permanece presente na memória de todo mundo.
📲 Participe do canal do g1 Bauru e Marília no WhatsApp
A marca de cinco anos pode parecer distante, mas os impactos desse período, que se estendeu até maio de 2023, ainda são sentidos na sociedade. Medidas emergenciais foram adotadas para conter a disseminação da doença, que, segundo dados atualizados até março de 2025, já infectou mais de 39 milhões de pessoas no Brasil e causou 715 mil mortes.
Nas principais cidades do centro-oeste paulista, foram registrados mais de 144 mil casos e 3,7 mil mortes. Em todo o estado de São Paulo, o total de infectados chegou a 6,9 milhões, com 184,4 mil óbitos. O g1 relembra esse período marcante em uma série de reportagens sobre o reflexo da pandemia no interior de SP publicada a partir desta segunda-feira (11).
Calçadão da Batista de Carvalho na área central de Bauru na época do uso obrigatório de máscaras
TV TEM/ Reprodução/ Arquivo
Apesar dos números expressivos, as restrições foram fundamentais para conter o avanço da Covid-19. O lockdown e a quarentena forçaram o fechamento do comércio e manteve a população em casa, provocando reações emergenciais não apenas na saúde, mas também na economia e na educação.
Saúde: a linha de frente do combate
O governo de São Paulo definiu um plano de classificação em parceria com as Diretorias Regionais de Saúde (DRSs) para monitorar a situação da Covid-19 em diferentes regiões do estado.
No centro-oeste paulista, as cidades estavam distribuídas entre três DRSs principais: Bauru, Marília e, em menor número, Araraquara.
Novo mapa atualizado com a situação das regiões do estado no Plano São Paulo de flexibilização da quarentena
Divulgação/Governo de SP
As regiões eram avaliadas a cada 14 dias para verificar se poderiam avançar para uma fase menos restritiva ou, em caso de piora, regredir em até sete dias – ou imediatamente, caso houvesse agravamento dos indicadores de saúde. As fases eram:
Fase 1 (vermelha): alerta máximo, funcionamento permitido apenas para serviços essenciais.
Fase 2 (laranja): controle, com possibilidade de reabertura parcial e restrições.
Fase 3 (amarela): ampliação da reabertura de setores.
Fase 4 (verde): reabertura ampliada em relação à fase 3.
Fase 5 (azul): “Normal controlado”, com todos os setores em funcionamento, mas mantendo medidas de distanciamento e higiene.
Plano do governo de São Paulo para flexibilização da quarentena no estado
Governo de SP/Divulgação
A descentralização das decisões abriu espaço para disputas entre prefeitos e o governo estadual. Em Bauru, por exemplo, a Câmara Municipal tentou aprovar leis para flexibilizar as restrições, contrariando as diretrizes da DRS. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo suspendeu essas medidas.
A principal referência para definir as fases do Plano SP era a taxa de ocupação de leitos de UTI. Para ampliar a capacidade hospitalar, o governo implementou hospitais de campanha em várias regiões.
Após impasse, estado anuncia abertura de 30 novos leitos para Covid no HC de Bauru
Famesp/Divulgação
No interior paulista, Bauru contou com um hospital de campanha montado em um prédio da Universidade de São Paulo (USP), planejado para abrigar o futuro Hospital das Clínicas da cidade. A estrutura funcionou de 1º de julho a 31 de dezembro de 2020, em um prédio próximo à Avenida Nações Unidas, com 40 leitos de UTI para atender pacientes de 38 municípios da região.
Já em Botucatu, o hospital de campanha foi instalado no Ambulatório Médico de Especialidades (AME) da cidade, que foi adaptado para receber 11 leitos de UTI e 16 de enfermaria. A unidade atendeu casos graves encaminhados pela Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde (Cross).
Na região de Sorocaba, a Arena Multiuso foi transformada em hospital de campanha com 40 leitos. Já em Itapetininga, 20 leitos de UTI foram montados em uma área aberta na Rua Padre Albuquerque.
Hospital de campanha foi montado na arena multiuso, próximo da Rodovia Raposo Tavares, em Sorocaba (SP)
Divulgação/Prefeitura de Sorocaba
Em Jaú, o Hospital Amaral Carvalho (HAC), referência nacional no tratamento oncológico, precisou expandir sua atuação para atender pacientes com Covid-19.
Uma antiga oficina de caminhões, localizada às margens da Rodovia Comandante João Ribeiro de Barros (SP-225) e doada por uma paciente, foi adaptada para funcionar como hospital de campanha, oferecendo 29 leitos clínicos de UTI e 10 leitos semi-intensivos com suporte ventilatório.
Hospital de campanha para Covid montado no HAC será desativado em Jaú
HAC/Divulgação
Danielle Urbanetto, gerente de crises do hospital, esteve à frente da implantação da unidade e destacou os desafios enfrentados.
“Foi um trabalho intenso. A unidade era uma oficina, então teve que ser totalmente transformada para garantir um ambiente hospitalar adequado. Contratamos cerca de 150 funcionários, entre novos contratados e profissionais remanejados de outras áreas, incluindo enfermeiros, médicos, fisioterapeutas e nutricionistas”, lembra Danielle.
Assim como outros hospitais de campanha regulados pelo Cross, os pacientes já chegavam com a vaga confirmada para internação. A unidade atendeu 40 municípios da região, seguindo um sistema de regulação que avaliava a compatibilidade dos casos com o perfil do hospital.
Hospital de campanha em Jaú
Rafael Ferraz / TV TEM
Durante os seis meses de funcionamento, entre março e agosto de 2021, o hospital atendeu 268 pacientes: 224 receberam alta, 23 foram transferidos para outras unidades de terapia intensiva e 21 não resistiram.
Além dos desafios médicos, o hospital também enfrentou a necessidade de oferecer suporte emocional aos pacientes e profissionais da linha de frente.
“A instituição encaminhou psicólogos para apoiar a equipe, os pacientes e suas famílias. Criamos o ‘prontuário afetivo’, que consistia em colocar informações e fotos dos pacientes na parede do quarto para humanizar o ambiente”, explica Danielle.
Médico toca músicas favoritas de pacientes internados com Covid em Jaú
A iniciativa do prontuário afetivo foi destaque no g1 na época, especialmente pela atuação de um médico que também era músico e tocava para os pacientes internados.
“Era uma placa com informações e fotos do paciente para humanizar o ambiente hospitalar e lembrar o paciente de suas memórias e desejos. Isso ajudava tanto os pacientes quanto os profissionais a manterem uma conexão emocional durante o tratamento”, completa.
Hoje o prédio continua em pleno funcionamento, porém, apenas abrigando funções administrativas e de estoque do Hospital Amaral Carvalho.
Médico toca músicas favoritas de pacientes internados com Covid em Jaú
Hospital Amaral Carvalho/Divulgação
Um olhar para a economia
As medidas de quarentena levaram comércios a fecharem as portas e serviços considerados não essenciais deixaram de ser prestados. Nesse contexto, surgiu o Auxílio Emergencial, a medida mais popular relacionada à economia tomada pelo Governo Federal durante o período pandêmico.
O Auxílio Emergencial foi um programa criado pelo governo brasileiro em 2020 para fornecer uma ajuda financeira temporária a cidadãos em situação de vulnerabilidade devido aos impactos econômicos da pandemia de Covid-19.
No início do programa, em 2020, o valor do benefício foi de R$ 600 por mês e foi pago até dezembro daquele ano. Em 2021, o valor foi reduzido para R$ 150 para indivíduos solteiros, R$ 250 para famílias e R$ 375 para mães solos.
Instituído pela Lei nº 13.982, para ter acesso ao benefício era necessário ter renda familiar mensal de até R$ 522,50 por pessoa ou uma renda familiar total de até R$ 3.513,50.
Esse era o caso de Maria Amâncio de Oliveira, de 48 anos. Na época com cinco filhos, a faxineira se viu desempregada com a paralisação dos serviços.
“Eu perdi todos os trabalhos. Parou tudo. Foi a primeira coisa que tirou, né? Tava muito difícil. E eu com as crianças todas adolescentes e uns pequenos e meus netos em casa, aí pra mim pesou bastante na época”, lembra.
Marisa foi beneficiária do Auxílio Emergencial em Bauru
Arquivo pessoal
Como a moradora de Bauru (SP) era beneficiária do Bolsa Família, o valor veio automaticamente para ela e ajudou principalmente nas compras de supermercado.
“Eu tava passando necessidade mesmo. Tava, tipo, comendo arroz, arroz branco com as crianças. Então foi difícil, muito difícil. E a gente não sabia de onde tirar, né? Porque tava pandemia no auge, o medo”, conta em entrevista ao g1.
Além disso, a família recebeu cestas básicas de Organizações Não Governamentais (ONGs) da cidade. “Com o auxílio eu comprei fruta pros meus netos, pros meus filhos. Eu comprei leite, eu comprei fralda. Pagava conta de água, de luz, e ainda sobrava um dinheirinho no bolso”, lembra.
Por outro lado, muitos empresários e trabalhadores precisaram se reinventar durante a pandemia. O músico Paulo Maia, também de Bauru, que trabalhava principalmente com musicais para casamentos, foi diretamente afetado pela paralisação.
Ele aderiu às lives, transmissões ao vivo que muitos músicos fizeram na época. O pianista se juntou a uma amiga cantora e todo domingo fazia transmissões tocando músicas pelas redes sociais. O sucesso foi grande, inclusive com doações para a dupla. No entanto, um projeto com essa mesma colega foi o que sustentou o artista financeiramente.
Em veículos separados e com todas as medidas de segurança e higiene, eles resgataram uma tradição antiga: fazer serenatas.
Grupo de Bauru realizava serenatas durante a pandemia
Arquivo pessoal
Pessoas contratavam os serviços dos artistas e presenteavam parentes ou amigos. Segundo Paulo, foram mais de 200 apresentações durante o período de isolamento social.
“Esse projeto da serenata foi fundamental porque era o jeito de eu conseguir levantar um dinheiro e também levar um afago para as pessoas. Nós chegávamos na casa das pessoas, lá na rua mesmo, elas abriam o portão, ou quem morava em apartamento abria a janela, e nós tocávamos de três a quatro músicas”, lembra.
Além do retorno financeiro, o projeto também trouxe um impacto emocional para as pessoas, que se viam carentes de arte.
“A receptividade das pessoas naquele momento tão tenso era enorme. Sempre foi muito emocionante fazer serenata. A gente levava a canção que falava de amor e as pessoas choravam demais”, completa.
Drive-thru nos corredores do shopping
Houve também quem inovou e alcançou, inclusive, reconhecimento internacional pelas medidas adotadas. Foi o caso de um shopping de Botucatu. Por conta da operação em apenas um andar e corredores largos, o centro de compras se transformou em um imenso drive-thru.
Os motoristas podiam trafegar pelos corredores do shopping até a loja de sua preferência, onde os comerciantes aguardavam os clientes nas portas.
Shopping adota drive-thru e libera carros nos corredores das lojas em Botucatu
Guilherme Miletta/TV TEM
Henrique Faraldo, representante do centro de compras, lembra que foram buscadas outras medidas para conter os danos financeiros dos 82 dias de portas fechadas, mas o drive-thru foi a melhor solução.
“O faturamento dos lojistas caiu para praticamente zero. Nós criamos estratégias como um marketplace, mas o volume de vendas continuava baixo. Não conseguimos gerar vendas suficientes para a subsistência dos lojistas”, lembra Henrique.
“A gente pretendia usar quadriciclos e SUVs para trazer os clientes de forma segura para dentro do shopping. Foi quando surgiu a ideia de colocar os carros dentro do shopping. Fizemos consultas técnicas e seguimos todas as orientações. Não desrespeitamos nenhuma lei, o drive-thru era permitido”, completa.
O Ministério Público chegou a pedir esclarecimentos sobre as medidas adotadas pelo shopping, mas foi definido que nenhuma lei foi infringida.
O drive-thru funcionava de quinta-feira a domingo. A repercussão foi grande, na região, no Brasil e no mundo. Redes de televisão internacionais chegaram a noticiar a alternativa encontrada pelo shopping para manter as vendas.
Drive-thru com carros dentro de shopping em Botucatu ganha repercussão internacional
A educação durante a pandemia
O fechamento das escolas foi uma das primeiras medidas adotadas para conter o avanço da Covid-19 e ocorreu ainda em março de 2020, junto com o decreto de pandemia.
De um dia para o outro, alunos e professores tiveram que se adaptar ao ensino remoto, que impôs desafios tanto para a aprendizagem quanto para a rotina das famílias.
Sem acesso adequado à internet ou a dispositivos eletrônicos, muitos estudantes enfrentaram dificuldades para acompanhar as aulas. O problema foi ainda mais grave na rede pública, onde a falta de estrutura evidenciou desigualdades no acesso à educação.
Para crianças com transtornos ou deficiências, a interrupção das aulas presenciais trouxe impactos ainda mais profundos. Esse foi o caso de Pedro, filho de Emileide, moradora de Bauru.
Pedro, morador de Bauru foi alfabetizado durante a pandemia
TV TEM/Reprodução
Diagnosticado com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ele tinha cinco anos quando a pandemia foi decretada e estava prestes a ingressar no primeiro ano do ensino fundamental. Com a paralisação, perdeu o contato direto com professores e terapeutas, o que comprometeu seu desenvolvimento.
“Ele estava na turma do infantil 4 e iria para o primeiro ano. Mas, com a pandemia, não aconteceu nada disso. Ele continuou no ensino básico, e nós tentamos fazer as atividades dele em casa”, lembra a mãe.
Diante das dificuldades, a família precisou buscar alternativas para manter a rotina de aprendizado.
“Eu e o pai dele tentamos lidar sozinhos, mas não conseguimos. Sem a professora particular que contratamos, acho que o Pedro não teria sido alfabetizado. Ele teria perdido esse período”, conta Emileide.
Após quase dois anos sem aulas presenciais, o retorno às salas de aula também foi um desafio. Muitas crianças enfrentaram dificuldades para se readaptar à escola após tanto tempo longe do convívio social. “Foi muito difícil retomar a rotina. Ele não queria levantar de manhã, não queria ir para a escola”, explica a mãe.
Além disso, a pandemia impactou ainda mais a socialização de Pedro, que, devido ao autismo, já tinha dificuldades para interagir com outras crianças.
“Ele se isolava muito fácil. Ficava no quarto, no mundinho dele. Girar é muito importante para ele, e o fato de não ter mais as atividades que tinha na escola dificultou muito”, relata Emileide.
Mesmo com os desafios, a pandemia acelerou a digitalização do ensino e ampliou o uso de tecnologias, que seguiram presentes mesmo após o retorno das aulas presenciais.
O retorno foi gradativo, e cada instituição de ensino lidou com o processo de forma diferente. As aulas voltaram totalmente presenciais, sem obrigatoriedade de transmissão online, após o fim oficial da pandemia, decretado pela OMS em 5 de maio de 2023
Pedro é autista e teve dificuldades ao retornar às aulas depois da pandemia
TV TEM/Reprodução
Veja mais notícias da região no g1 Bauru e Marília.
VÍDEOS: assista às reportagens da região
Adicionar aos favoritos o Link permanente.