Paciente com AME sai do hospital pela primeira vez no aniversário de 20 anos: ‘Passarinho criou asas’, diz pai


Doença neurodegenerativa sem cura compromete a força muscular. Kimberlly Nogueira dos Santos mora na instituição desde o primeiro ano de vida. Paciente com AME sai do hospital pela primeira vez aos 20 anos
Por quase duas décadas, o mundo de Kika se resumiu a um único espaço: as paredes de um hospital em Caxias do Sul, na Serra do RS. Conectada a aparelhos que a mantêm viva, a liberdade de Kimberlly Nogueira dos Santos sempre foi limitada pelos desafios impostos pela Atrofia Muscular Espinhal (AME).
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No entanto, em comemoração aos 20 anos de idade, neste sábado (15), ela teve a oportunidade de deixar a instituição pela primeira vez.
“Agora o passarinho criou asas”, brinca o pai Rubens dos Santos, confiante de que essa primeira experiência pode abrir portas para novas saídas.
Diagnosticada com a Síndrome de Werdnig-Hoffmann, também conhecida como AME, Kika vive no hospital desde o primeiro ano de idade. A doença neurodegenerativa sem cura compromete a força muscular, tornando-a totalmente dependente de ventilação mecânica e cuidados intensivos.
“A AME ataca a medula espinhal e faz com que o paciente não tenha força nos músculos esqueléticos do corpo. Perde a força muscular”, explica o médico Leonardo Severo.
Conhecer o mundo além do que via na televisão era um sonho para a jovem. Desejo esse que foi realizado na última quinta-feira (13), com o apoio da equipe médica e da família.
Kimberlly Nogueira dos Santos, paciente com AME
Arquivo pessoal/ Cheli Caon
O passeio, planejado cuidadosamente, levou Kika a um shopping da cidade. Muito mais do que uma saída, o ato foi um marco de superação.
“A ficha dela ainda tá caindo, porque foi uma coisa extremamente nova pra ela”, relata Rubens, o pai da paciente.
“Foi uma coisa muito especial. Na hora, ela parecia que não estava acreditando que estava naquele ambiente”, conta.
Contudo, a emoção começou antes mesmo do passeio acontecer. Para ele, o momento mais marcante foi quando soube que a saída seria possível, algo inédito na vida de Kimberlly.
“Era um sonho antigo da gente. Quando ela entrou, não tem explicação, sabe? Aquele olhar…”, comenta.
O passeio
Kimberlly Nogueira dos Santos, paciente com AME
Imagem cedida/ Marcos Sartori
Segundo o Hospital Virvi Ramos, a operação para que Kika pudesse sair envolveu uma ambulância equipada e profissionais da saúde para suporte da assistência médica. No shopping, ela foi recebida por familiares, amigos, funcionários do hospital e a equipe do Shopping Villagio Caxias, que preparou uma recepção para a jovem.
Além do passeio, Kika ganhou presentes de algumas lojas, incluindo roupas, perfumes e esmaltes. Segundo o pai, as lembranças combinaram com a personalidade da filha que, de acordo com ele, é muito vaidosa.
Ao final do passeio, Kika não queria voltar ao hospital:
“Na hora de voltar, ela disse ‘não, eu quero ficar aqui, não quero voltar”, relembra Rubens.
O diagnóstico
Kimberlly Nogueira dos Santos bebê
Arquivo pessoal/ Cheli Caon
Quando foi diagnosticada com AME, aos cinco meses de idade, seus pais receberam a estimativa de que ela viveria apenas até os dois anos. Hoje, vê-la completar 20 anos é um feito extraordinário, segundo o pai.
“A gente era muito novo, é complicado. Você quase entra em parafuso, sabe? Mas hoje ver ela fazer 20 anos é fora do normal. Ela conversa, tem pequenos movimentos, então isso é muito gratificante”, diz o pai, orgulhoso.
Segundo o médico Leonardo Severo, que acompanha o caso de Kimberlly desde 2021, a AME costuma ter uma expectativa de vida baixa, na primeira infância.
“É uma doença que se manifesta já nos primeiros meses de vida e o paciente já apresenta dificuldade pra respirar e dificuldade no desenvolvimento motor, que faz com que desde os primeiros meses de vida precise de suporte pra manter-se vivo”, diz o dr. Severo.
O médico explica que as principais limitações da síndrome são relacionadas ao paciente ser totalmente dependente de equipamentos para sobreviver:
“Precisa viver com aparelho para poder respirar, precisa de oxigênio, precisa de alguém que cuide, precisa de sondas para se alimentar. Então, a principal limitação é o fato de ter uma dependência total de equipamentos e de pessoas para conseguir dar uma dignidade para o paciente”, comenta.
Apesar das limitações físicas, Rubens conta que Kika sempre demonstrou força e desenvoltura.
“A mãe dela fala ‘tu é muito inventadora de moda”. Eu costumo dizer ‘ela parece que tá parada, mas ela tá voando’. Ela é muito rápida nos pensamentos, ela gosta de ver a coisa acontecer”, descreve ele.
Aos 15 anos, por exemplo, Kika ganhou uma festa no Hospital Virvi Ramos. Fantasiada de Cinderela, dançou com um príncipe.
A jovem se formou no ensino fundamental em 2022. Conforme explicado pelo hospital, ela recebia no quarto uma professora, que, por vezes, levava junto alguns colegas de aula.
Para o pai, além da comemoração pelos 20 anos, a história de Kika carrega uma mensagem poderosa.
“A gente as vezes reclama tanto da vida. Ela é tão feliz por coisas mínimas. Então, acho que nós deveríamos dar mais valor a vida. Hoje em dia a gente vive em um mundo tão individualista, que sempre olhamos para nosso próprio umbigo. Então, você vê casos igual o dela e que sirva para outras pessoas verem como a vida é realmente”, conclui.
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