Testemunhas negam confronto entre PM e suspeitos em operação com 4 mortos: ‘chegaram atirando’


Ação realizada em São Vicente (SP) foi registrada pela PM como confronto, mas moradores do Jardim Rio Branco negam a versão. No local dos disparos foram encontradas 15 cápsulas de fuzis. A Secretaria de Segurança Pública de SP informou que as mortes são investigadas e enfatizou que o grupo morto estava com drogas e armas, que foram apreendidas. Testemunhas negam confronto entre PM e suspeitos em operação com 4 mortos
A versão dos PMs sobre a ação que deixou quatro suspeitos mortos e um ferido em São Vicente, no litoral de São Paulo, é contestada por moradores do Jardim Rio Branco, onde ocorreu mais uma incursão da Operação Verão, que soma 38 mortes. Testemunhas afirmaram que as equipes policiais já chegaram atirando. A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP), em nota, disse que as mortes são investigadas e que grupo morto estava com drogas e armas (leia mais abaixo).
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No boletim de ocorrência (BO) consta que policiais foram alvos de tiros enquanto estavam em ação contra o tráfico de drogas e reagiram, atingindo os suspeitos, com idades entre 17 e 32 anos (veja no fim da matéria). No entanto, moradores afirmam que a dinâmica foi diferente.
Segundo a população, um dia antes da operação, policiais militares estiveram no local procurando por um drone que teria desaparecido após apresentar um problema e fazer um pouso na área. Na ocasião, os agentes teriam feito ameaças de que retornariam ao local para uma operação.
“Eu estava aqui e vi tudo. Eles chegaram, umas cinco viaturas da Baep [Batalhão de Ações Especiais de Polícia] e simplesmente chegaram já atirando”, disse uma moradora do bairro em entrevista ao repórter Walace Lara, da TV Globo. A mulher teve a identidade preservada.
Um outro morador deu a mesma versão. Ele contou que não existiu troca de tiros e lembrou os sons dos disparos. “Não foi um estampido aberto. Foi tiro de fuzil mesmo”, disse ao repórter da Globo.
Chinelos e cápsulas de fuzil foram encontradas no Jardim Rio Branco, em São Vicente (SP)
Marco Antonio Gonçalves/TV Globo
“Era muito tá, tá, tá, tá… muito. Eu achei que tava desmoronando alguma casa, era um barulho muito alto”, complementou a moradora.
No dia seguinte aos disparos, a equipe de reportagem da TV Globo ainda encontrou no local pares de chinelos e ao menos 15 cápsulas de fuzis no chão.
Segundo apurado pelo repórter da TV Globo, cápsulas de outros tipos de arma não foram localizadas. Uma das testemunhas informou que a área não foi periciada.
Versão do BO
De acordo com o boletim de ocorrência (BO), obtido pelo g1, uma equipe policial realizava operação de combate ao tráfico de drogas na região e resolveu surpreender traficantes chegando a um ponto de venda por uma área de mata e mangue.
Caso aconteceu em região de mata do bairro Jardim Rio Branco, em São Vicente (SP)
Marco Antonio Gonçalves/TV Globo
Como o local era de difícil acesso, os policiais solicitaram apoio de outras equipes, que foram em direção ao mesmo destino, mas pela rota normal. Segundo o BO, os traficantes se depararam com esses agentes e, por isso, tentaram fugir pela área de mata. Eles foram surpreendidos pela equipe que fazia a operação e passaram a disparar contra os policiais, que revidaram.
Após o tiroteio, os agentes resgataram cinco homens que estavam caídos no chão baleados e acionaram o socorro. Eles foram encaminhados para hospitais da cidade, mas quatro não resistiram. Apenas um suspeito, de 24 anos, sobreviveu e foi internado no Hospital do Vicentino, sob escolta policial.
No BO, as vítimas fatais foram identificadas como Peterson Souza Da Silva Xavier Nogueira (32 anos), Luiz Henrique Jurovitz Alves De Lima (18 anos), Kauê Henrique Diniz Batista (17 anos) e Marcus Vinícius Jurovitz De Lima (17 anos).
Caso aconteceu no bairro Jardim Rio Branco, em São Vicente
g1 Santos
Ainda segundo o registro policial, foram encontradas três armas de fogo (dois revólveres calibre 38 e uma pistola calibre 40) e um carregador ao lado dos homens baleados.
Já no ponto de venda de drogas, foram localizadas 68 porções de maconha, 55 pedras de substância aparentando ser crack e 77 porções de cocaína, separadas e embaladas para venda, além da quantia de R$ 729 em espécie e cinco aparelhos celulares.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP-SP) afirmou que a informação de que a PM teria perdido um drone na região é improcedente. A pasta ainda enfatizou que o grupo que foi morto estava com drogas e armas, que foram apreendidas.
Ouvidoria
A Ouvidoria da Polícia de São Paulo, em conjunto com entidades de segurança pública e proteção de direitos humanos, denunciou à Procuradoria-Geral de Justiça do Estado irregularidades nas abordagens de policiais durante a Operação Verão na Baixada Santista, por meio de um relatório. Além das denúncias, o documento conta com uma série de recomendações aos órgãos públicos para que cessem as violações de direitos humanos praticadas pela polícia.
Em entrevista para a TV Globo, o ouvidor Claudio Aparecido da Silva comentou sobre a denúncia da ocorrência em São Vicente. “Se confirmada a versão da população local ali, a gente está diante de um dos maiores escândalos da segurança pública do Estado de São Paulo, uma vez que isso coaduna [combina] com as várias denúncias que nós temos recebido na Ouvidoria e demonstra que, efetivamente, o que está acontecendo na Baixada Santista não é uma ação de segurança pública. Exatamente o contrário, uma promoção da desordem por parte do Estado”, relatou.
Operação Verão
A Operação Verão foi estabelecida na Baixada Santista desde dezembro de 2023. No entanto, as 2ª e 3ª fases, que, respectivamente, contaram com reforço policial e instalação do gabinete de Segurança Pública em Santos, foram decretadas logo após os assassinatos do soldado PM Samuel Wesley Cosmo, no último dia 2, e do cabo José Silveira dos Santos, no dia 7 de fevereiro.
A atual fase da operação, inclusive, contou com a presença do gabinete da SSP-SP na região. A pasta esteve sediada na Baixada Santista durante 13 dias. As mortes dos suspeitos em confrontos com a polícia passaram a ser contabilizadas desde o último dia 7 deste mês.
A Defensoria Pública de São Paulo, em conjunto com a Conectas Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog, pediu no último dia 16 à Organização das Nações Unidas (ONU) o fim da operação policial na região e a obrigatoriedade do uso de câmeras corporais pelos policiais militares.
Mortes de policiais
Policiais militares Marcelo Augusto da Silva, Samuel Wesley Cosmo e José Silveira dos Santos, mortos na Baixada Santista (SP)
Reprodução/Redes Sociais e g1 Santos
No dia 26 de janeiro, o policial militar Marcelo Augusto da Silva foi morto na rodovia dos Imigrantes, na altura de Cubatão. Ele foi baleado enquanto voltava para casa de moto. Uma grande quantidade de munições estava espalhada na rodovia. O armamento de Marcelo, no entanto, não foi encontrado.
Segundo a Polícia Civil, Marcelo foi atingido por um disparo na cabeça e dois no abdômen. Ele integrava o 38º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano (BPM/M) de São Paulo, mas fazia parte do reforço da Operação Verão em Praia Grande (SP).
No dia 2 de fevereiro, o policial das Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) Samuel Wesley Cosmo morreu durante patrulhamento de rotina na Praça José Lamacchia. O agente chegou a ser socorrido para a Santa Casa de Santos (SP), mas morreu na unidade.
Uma gravação de câmera corporal obtida pelo g1 mostra o momento em que o soldado da Rota foi baleado no rosto durante um patrulhamento no bairro Bom Retiro (assista abaixo).
Vídeo mostra o PM da Rota sendo baleado no rosto em viela no litoral de SP
Cinco dias depois, o cabo PM José Silveira dos Santos, do 2⁰ Batalhão de Ações Especiais de Polícia (BAEP), morreu ao ser baleado durante patrulhamento no bairro Jardim São Manoel, em Santos. Na ocasião, outro policial militar foi baleado e internado – ele recebeu alta médica no dia 21.
Carandiru
Com a ocorrência no Jardim Rio Branco, chegou a 38 o número de mortes na Operação Verão na Baixada Santista, que foi reforçada após o assassinato do PM da Rota Samuel Cosmo.
Em números, no estado, a ação da PM só não é mais letal que o episódio conhecido como o ‘massacre do Carandiru’, que aconteceu em 1992. Na ocasião, 111 presos foram mortos durante uma rebelião na Casa de Detenção, na Zona Norte de São Paulo.
Após Massacre do Carandiru: PMs não foram presos e sobreviventes relembram caso
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