Motorista que recebeu R$ 131 milhões por engano e devolveu tem direito à recompensa? Entenda lei


A defesa de Antonio Pereira pede mais de R$ 13 milhões como recompensa. A audiência está marcada para o dia 18 deste mês. Antônio Pereira ficou milionário por poucas horas
Reprodução/TV Anhanguera
O motorista Antônio Pereira do Nascimento entrou na justiça contra o banco que depositou R$ 131 milhões em sua conta. Na época ele percebeu a transação errada e devolveu o valor. Devido a problemas emocionais e financeiros, agora ele pede 10% do valor recebido como recompensa. A audiência deve ser realizada neste mês.
Em entrevista ao g1, o advogado Thiago Perez explicou de modo geral como a lei do direito à recompensa funciona e quais questões a justiça pode levantar durante o processo. Thiago não representa o motorista na ação cível.
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O direito à recompensa é descrito no artigo 1.234 da lei nº 10.406 do Código Civil. A norma estabelece que é obrigação da pessoa que encontrar algo alheio devolver ao dono, mas quem acha e restitui, pode ter direito a uma recompensa.
“Esse restituir imediatamente não é o esforço, o esforço é na identificação. Então você imagina que a gente está falando de um tesouro perdido e aí você vai gastar um grande valor para que a gente possa descobrir esse tesouro, mais ainda para levar, transportar até o seu verdadeiro dono. Então tudo isso deve ser considerado no montante da restituição quando você encontra alguma coisa”, explicou Thiago.
A lei também diz que para determinar a quantia da recompensa, é considerado o esforço feito pela pessoa que encontrou a coisa perdida, para achar o dono, além da situação econômica dos envolvidos. O artigo também especifica que o valor mínimo da recompensa deve ser de 5% do item encontrado.
“A grande questão que vai se colocar é: foi uma coisa encontrada de fato? A gente pode considerar esse erro na transação? E se assim achou, houve tanto esforço na determinação, no encontro de quem foi o seu credor? A ponto de ser o dobro do valor mínimo? Então são questionamentos que o juiz terá para chegar à conclusão”, contou o advogado.
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Segundo a defesa do motorista, toda a situação gerou ‘abalos emocionais e constrangimentos’ a Antonio durante a resolução do problema. Além disso, a grande proporção midiática que o caso alcançou levou a ‘especulações e exposição de sua vida íntima’.
Para o Thiago, a devolução do valor é uma obrigação civil e por isso não seria considerada um motivo para estabelecer a recompensa. A situação também deve ser analisada no contexto digital, já que a legislação que fala sobre a recompensa é prevista deste 1916.
“A gente já entra numa situação que cabe ao juiz decidir. A boa vontade da pessoa devolver não tem que ser recompensada, é um dever de qualquer pessoa, seguir o que é certo. O que eu estou colocando não é absoluto, porque a legislação que fala de recompensa vem para o Código Civil de 2002, mas ele já estava previsto no Código Civil de 1916, ou seja, uma legislação que foi prevista num outro contexto. E para esses novos casos, na era digital, ainda precisa ser submetido aos novos contextos perante a análise do poder judiciário”.
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Defesa busca direito à recompensa
O caso aconteceu em junho de 2023, quando Antonio percebeu que tinha recebido R$ 131.870.227 na sua conta bancária do Bradesco. O Escritório Coelho e Franco Advogadas Associadas, que representa o motorista na ação, informou que analisou detalhadamente o caso e tem plena convicção de que ele se enquadra no direito à recompensa previsto em lei.
“O Sr. Antônio recebeu, de forma equivocada, valores em sua conta por um erro do banco. No entanto, não foi a instituição financeira quem identificou o equívoco, mas sim o próprio Sr. Antônio, que, de maneira espontânea e honesta, notificou o banco sobre o ocorrido”, escreveram.
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TV Anhanguera/Reprodução
A audiência entre as partes está marcada para o dia 18 de fevereiro. Na época, o dinheiro foi devolvido e o saldo da conta de Antônio voltou ao normal, contendo os R$ 227 que ele tinha antes de toda a confusão.
Apesar de o problema ter se resolvido para o banco responsável pelo erro, Antônio enfrentou diversos problemas mesmo tendo agido com honestidade. Na ação movida contra o banco, a defesa do motorista alega que ele sofreu pressão psicológica por parte do gerente da agência para que o dinheiro fosse devolvido, mesmo que isso tenha partido do próprio Antônio (veja nota completa abaixo).
A situação, segundo a defesa, gerou ‘abalos emocionais e constrangimentos’ a Antônio durante a resolução do problema. Além disso, a grande proporção midiática que o caso alcançou levou à ‘especulações e exposição de sua vida íntima’, do motorista e da família dele.
Outro detalhe abordado pelos advogados é que uma cobrança teria sido feita de forma indevida. Após o recebimento do valor, a taxa que ele pagava de R$ 36 passou para R$ 70, após ele ser colocado em uma categoria ‘VIP’.
“A gente que é honesto no Brasil, a gente paga para ser honesto. Eu fiz foi pagar. Gastei petróleo, andei no meu carro, saí de minha casa, perdi meu dia de serviço. Eu vi que tinham descontado R$ 70 da minha conta, porque me colocaram no ‘VIP’. Aí eu disse para eles: ‘Que vip? Eu não quero vip não. O dinheiro não era meu, eu não vim devolver para vocês? Vocês fizeram foi me botar na tarifa mais cara. Pago uma taxa de R$ 36 vou pagar uma de R$70?”, contou o motorista na época.
Sobre a cobrança, Thiago Perez afirma que nesse caso o valor deve ser restituído. “É uma postura errada do banco, tem que devolver o valor da cobrança indevida, inclusive tem que devolver esse valor para ele em dobro”.
Íntegra da defesa do motorista
O Escritório Coelho e Franco Advogadas Associadas, ao ser procurado pelo Sr. Antônio, analisou detalhadamente o caso e tem plena convicção de que ele se enquadra no direito à recompensa previsto no Código Civil.
O Sr. Antônio recebeu, de forma equivocada, valores em sua conta por um erro do banco. No entanto, não foi a instituição financeira quem identificou o equívoco, mas sim o próprio Sr. Antônio, que, de maneira espontânea e honesta, notificou o banco sobre o ocorrido.
É fundamental destacar que os valores recebidos indevidamente não pertenciam a terceiros, sejam pessoas físicas ou jurídicas, mas sim ao próprio banco. Não há como afirmar se a instituição teria identificado o erro ou em que momento isso ocorreria.
Além de ter agido com total transparência ao informar o banco e providenciar a devolução dos valores, o Sr. Antônio foi tratado de forma ríspida pela instituição e coagido a comparecer imediatamente à agência para desfazer a transação. Além disso, sua privacidade foi invadida por meio de contatos insistentes por diversos canais de comunicação.
Diante desse cenário, estamos levando a questão ao Judiciário, para reconhecer o direito à recompensa no mundo digital, especialmente nos casos em que a devolução de valores indevidos parte, de forma voluntária, de quem os recebeu.
O direito precisa acompanhar a evolução dos tempos, e o nosso Escritório está empenhado em garantir que esse importante precedente seja firmado, assegurando o reconhecimento da boa-fé e da honestidade no ambiente digital.
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