‘Ele matou um cara trabalhador’, diz avô de motociclista atingido por cano de fuzil de PM durante abordagem em SP


Matheus Simões usava moto que ganhou do avô para trabalhar com entregas por aplicativo. Rapaz morreu no domingo (25) após fugir de blitz durante baile funk. Perícia vai apontar o que o matou. Suspeita é que ponta da arma tenha perfurado seu pescoço. Polícia investiga morte de jovem após abordagem policial na Zona Norte de SP
“Ele matou um cara trabalhador”, disse Manoel de Menezes, avô do motociclista Matheus de Menezes Simões, que morreu após ter sido atingido pelo cano de um fuzil durante abordagem da Polícia Militar (PM) na Zona Norte de São Paulo.
O caso ocorreu na tarde do domingo (25), durante um baile funk na Vila Brasilândia e foi gravado por câmeras de segurança e testemunhas (veja acima). A PM tinha ido ao local para atender um chamado de moradores que reclamavam do barulho.
Homem morre após se chocar de moto com policial em SP
A Polícia Civil investiga se a ponta da arma perfurou o pescoço de Matheus e o matou. Apesar de nenhum tiro ter sido dado, foi encontrado sangue na arma usada pelo tenente Gabriel Montoro Dantas.
“Não podia ter feito aquilo, não pode, gente, pelo amor de Deus. Tem que ter Justiça nesse negócio, esse cara [o PM] tem que pagar pelo que ele fez”, disse Manoel em entrevista à TV Globo.
Matheus pilotava uma moto e desobedeceu uma ordem de parada da Polícia Militar perto da Rua Claudio Ghirelli. Ele e o garupa estavam sem capacetes, o que é irregular.
Nas imagens, é possível ver o momento em que o tenente Gabriel aparece correndo na direção da motocicleta, que estava em movimento. Mas o piloto não para, continua acelerando, e há um choque entre o veículo e o PM. O fuzil dele bate nos ocupantes da moto, que se desequilibra um pouco.
Matheus de Menezes Simões e a moto vermelha que pilotava quando morreu após abordagem da PM em São Paulo
Divulgação/Arquivo pessoal
Matheus, porém, consegue retomar o controle da motocicleta, que prossegue por mais alguns metros até cair com ele e o amigo perto de alguns carros. O garupa, que não foi identificado até a última atualização desta reportagem, foge. O piloto fica caído no chão, ferido, com uma perfuração no pescoço, agonizando. Nenhum deles estava armado.
Apesar de a polícia ter acionado uma ambulância para socorrê-lo, Matheus não resistiu e morreu no local. Ele tinha 21 anos e estava com a habilitação provisória vencida. O jovem não tinha passagens criminais e trabalhava como entregador de encomendas por aplicativo e numa garagem de ônibus. A motocicleta, uma Honda CG 160 vermelha, estava regularizada. Ela estava no nome do avô e foi um presente a Matheus, para que ele trabalhasse como entregador.
“O Matheus era um sobrinho alegre. Tinha muitos planos”, disse Karine Natália Nascimento, tia dele.
O caso foi registrado no 45º Distrito Policial (DP), Brasilândia, como “morte acidental” a ser esclarecida, “desobediência”, “localização e apreensão de objeto”, e “entrega de veículo”. A investigação será feita pelo 72º DP, Vila Penteado.
“Primeiro eles matam para depois saber quem é. Eu quero justiça. Isso não foi uma abordagem certa, meu filho não perdeu sua vida em vão, gente”, disse Valdirene Bispo de Menezes, mãe de Matheus.
O fuzil do PM foi apreendido para ser periciado pela Policia Técnico-Científica. Os peritos vão analisar a arma, os vídeos e fazer exames para saber se o cano da arma perfurou o pescoço de Matheus e o matou. O laudo ainda não ficou pronto.
Segundo o registro da Polícia Civil, foram encontrados “vestígios de sangue no quebra chama, possivelmente sangue do falecido”. “Quebra chama” é a ponta do fuzil.
Especialista critica abordagem
Matheus Simões tinha 21 anos e trabalhava numa empresa de ônibus
Divulgação/Arquivo pessoal
Em sua defesa, o tenente Gabriel alegou na delegacia que investiga o caso que, além de os ocupantes da moto estarem sem capacetes, um deles fazia menção a estar armado. Ainda segundo o PM, ele deu ordem de parada para a dupla, mas a “moto veio ao [seu] encontro” e “ocorreu breve contato de um dos indivíduos com a ponta do [seu] fuzil”.
Gabriel também falou que se feriu no rosto com a “coronha da arma de fogo” e que ficou “brevemente desorientado” e que a dupla fugiu para o baile funk. E que só depois soube que a motocicleta havia caído.
A Polícia Civil também pediu à PM “as imagens das câmeras corporais” dos policiais militares que participaram da operação “para melhor estabelecer a dinâmica do evento, o instrumento e a causa da morte” de Matheus. Segundo a investigação, “ainda [há] dificuldade de se estabelecer a compatibilidade do ferimento ostentado pelo falecido com o armamento portado” pelo tenente.
Caso a perícia confirme que o cano da arma perfurou Matheus, caberá à Polícia Civil decidir sobre o indiciamento criminal do PM pela morte do rapaz. Mortes de decorrentes de intervenção policial costumam ser investigadas pelo Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa (DHPP). O órgão está de sobreaviso se precisar ser acionado.
Giane Silvestre, especialista em segurança pública do Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP), disse que os procedimentos de abordagem da PM foram desrespeitados pelo tenente.
“Além da gravidade de fazer isso com uma arma e encostar uma arma à queima-roupa, encostar a arma nos rapazes que estavam na moto, também colocou sua vida em risco andando em direção a um veículo em movimento”, disse Giane.
O que diz a SSP
Matheus Simões pilotava sem capacete quando foi abordado pela PM
Divulgação/Arquivo pessoal
Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública (SSP) informou que, além da Polícia Civil, a Polícia Militar também apura a conduta do tenente para saber se ele agiu corretamente ou não durante a abordagem que depois resultou na morte de Matheus.
Veja a íntegra da nota abaixo:
“Um homem, de 21 anos, morreu após desobedecer a ordem de parada de policiais militares e se chocar contra um dos policiais, na manhã deste domingo (25), na Rua Cláudio Ghirelli, zona norte da Capital. Na ocasião, PMs realizavam operação para apreensão de veículos quando uma motocicleta com dois ocupantes sem capacete, em alta velocidade, avançou em direção aos policiais. Um dos PMs ordenou sua parada, mas o condutor desobedeceu e colidiu lateralmente contra ele, causando uma lesão no rosto do policial. Durante o incidente, a ponta do fuzil do policial atingiu o motociclista, que conseguiu escapar, mas foi localizado posteriormente caído no chão, ferido. Ele foi socorrido, mas não resistiu devido a uma lesão no pescoço, que será investigada. O outro ocupante fugiu e a motocicleta que utilizavam não foi localizada. Durante a ocorrência, uma outra moto, produto de roubo, foi recuperada. O policial ferido passou por atendimento médico e sua arma foi apreendida. Exames periciais foram solicitados ao IC e IML e o caso, registrado como morte suspeita (morte acidental), desobediência, localização e apreensão de objeto, bem como localização, apreensão e entrega de veículo no 72º DP (Vila Penteado). Os fatos serão investigados pelo 45º DP, área dos fatos, e a Polícia Militar também apura a ocorrência por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM).”
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