Rã-flecha: conheça anfíbio que ‘sequestra’ veneno das formigas

Substância tóxica presente no animal está relacionada à alimentação. Etnias indígenas amazônicas usavam o elemento para caçar primatas. As rã-flechas formam um grupo de anfíbios que compõe a família dos dendrobatídeos, divisão que inclui 62 espécies. De cores vibrantes – como vermelho, amarelo, dourado e azul -, esses indivíduos são conhecidos pelo alto teor de veneno presente em sua pele.
Apesar disso, pesquisadores explicam que, para ser contaminado, o ser humano precisaria ingerir o anfíbio ou deixar que o veneno chegue na corrente sanguínea. O curioso é que a toxina não é produzida pelo anfíbio, mas sequestrada de diferentes espécies de formigas, das quais se alimenta.
“Essas formigas adquirem a toxina porque se alimentam de plantas com veneno. Então o anfíbio se alimenta dessas formigas com alta concentração de pumiliotoxina, principal alcaloide encontrado na pele do animal. Um indivíduo criado em cativeiro, por exemplo, terá uma alimentação diferente daqueles que vivem na floresta, por isso ele não será tão tóxico”, pontua o herpetólogo Diego Santana.
“Claro que existem as glândulas desses anfíbios que já produzem um tipo de proteção, é o caso do peptídeo, que destrói membranas de bactérias e fungos que tentam se alojar na pele”, acrescenta.
De acordo com o pesquisador, povos indígenas da região amazônica utilizam o veneno para deixar seus armamentos de caça mais letais.
“Algumas espécies do gênero Phyllobates, como a Phyllobates terribilis, comum na floresta amazônica da Colômbia e bem mais venenosa que a rã-flecha-azul (Dendrobates tinctorius), ela teve seu veneno muito utilizado pelos indígenas Emberá, que habitavam a região do Chocó, na costa pacífica”.
“Esses povos usavam a ponta de um dardo pequeno para passar na pele do anfíbio, principalmente nas costas e coxas. O veneno ficava então nesse dardo, que era soprado na zarabatana, instrumentos indígenas de caça”, conta Diego.
O biólogo Taran Grant, professor do Departamento de Zoologia do Instituto de Biociências da USP, diz que, nesse período, os dardos de zarabatana foram traduzidos do inglês como “arrow”, que significa flecha, ao invés de “dart”, de dardo.
Dada essa confusão histórica, o pesquisador reforça que o nome comum mais aceito para esse grupo de rãs seria “rã-de-veneno”. No caso da rã-flecha-azul, por exemplo, o ideal seria chamá-la de “rã-de-veneno-azul”.
Cores vibrantes afastam predadores
Por conta das cores chamativas, as rãs-flechas possuem poucos predadores. Segundo Diego, há um caso de cobra que comeu uma rã-flecha e morreu, além de espécies de anfíbios que regurgitaram o anfíbio por conta do gosto forte. “Já ouvi sobre cachorro-do-mato e jaguatirica também”, lembra.
Diego Santana explica que, quando girinos, eles são mais fáceis de serem predados por não serem tóxicos.
O biólogo ressalta também que as rãs-flechas possuem uma variação grande de cores, então um indivíduo azul pode ter manchas amarelas no corpo. “No ramo da biologia, chamamos de coloração aposemática, o que significa possuir cores vistosas que servem como advertência para outros seres”.
Perigo aos humanos
Embora circulem notícias que afirmam que esses anfíbios podem matar milhares de pessoas com seu veneno, segundo Diego, a informação não procede.
“Se a pessoa estiver no meio da floresta e, de repente, comer um animal como esse, é claro que vai fazer mal. Mas isso vai depender do quanto esse veneno vai ser potente para matar o ser humano. Pode ser que naquela semana o bicho não tenha se alimentado tanto para poder sequestrar toxina. O veneno da rã Phyllobates terribilis é mais rápido de circular no sangue porque ele causa contração muscular, então pode acarretar em parada cardíaca”, explica o biólogo.
Ainda de acordo com ele, quem fica intoxicado, geralmente, são os biólogos que vão a campo. “É claro que o biólogo não vai comer o anfíbio mas, às vezes, você tocou no indivíduo e depois um mosquito foi no seu rosto e você tentou espantar, nisso você pode espalhar o veneno”, completa Diego.
Taran Grant reforça que as espécies da família dos dendrobatídeos não secretam a toxina, ou seja, não a esguicham quando ameaçados. O veneno serve unicamente para espantar ou matar potenciais predadores que tentem predar os anfíbios.
O que fazer se for envenenado
Se a pessoa envenenada estiver no meio da floresta, longe de um hospital, o ideal é que ela se mantenha hidratada para que os rins não parem de funcionar. Em seguida, o recomendado é procurar uma serviço de saúde imediatamente.
“Embora não tenha um soro antiofídico, como no caso de picadas de cobras, pelo menos a pessoa será avaliada por um médico. E aí vai depender da quantidade de veneno no corpo”, comenta Diego.
Principais ameaças
Entre as ameaças que incidem sobre a espécies da família dos dendrobatídeos, o pesquisador Taran Grant destaca que as principais são a perda de habitat e o tráfico ilegal.
“A modificação do habitat impacta bastante nesses indivíduos: eliminação da floresta para agricultura, mudança climática ou uso de agroquímicos”, diz. Além disso, outro fator que contribui para a morte de populações é o fungo quitídrio, que afeta diversos anfíbios pelo mundo.
“O fungo foi descoberto em um sapinho dessa espécie em um zoológico, por isso que o nome científico do fungo é Batrachochytrium dendrobatidis, em referência ao gênero Dendrobates”, afirma Taran.
De acordo com o herpetólogo Diego Santana, as rãs-flechas são muito comercializadas fora do Brasil. “Na Alemanha, por exemplo, você compra essa espécie na internet e recebe a entrega em casa via correio, o que é um absurdo”, completa.
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