Pedreiro e músico autodidata do interior de SP cria a própria gaita de foles para tocar canções escocesas: ‘me transporta para um tempo distante’


O itapetiningano faz apresentações gratuitas no centro da cidade e encanta o público que passa no local. Ele se encantou pela cultura escocesa ainda na infância. Pedreiro e músico autodidata do interior de SP cria a própria gaita de foles
Quase 10 mil quilômetros separam Itapetininga, no interior de São Paulo, da Escócia, na Europa. Mas a distância não impediu que um pedreiro e músico autodidata trouxesse a cultura escocesa para a cidade. Movido pela paixão que nutri pela cultura do país desde a infância, Manoel Ferraz de Campos, de 52 anos, construiu sua própria gaita de foles e, vestido com trajes típicos, realiza apresentações surpresa.
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O pedreiro conheceu o estilo a partir da influência de um tio. “A primeira vez que vi uma gaita de foles escocesa eu tinha uns oito ou nove anos, vi em cenas de um filme e nunca mais esqueci. Assisti com um tio meu que, infelizmente, já se foi sem saber que me tornei um ‘piper’ [gaiteiro]. Ele amava filmes históricos e épicos.”
Manoel Ferraz de Campos aprendeu sozinho a tocar a gaita de foles
Arquivo pessoal
“Os pipers sempre estavam na linha de frente na batalha. Na adolescência, eu passei a ter interesse na cultura celta e uma coisa se ligou a outra, porque na tradição dos países onde mais se sentiu e permaneceu as influências desses povos celtas, curiosamente, a gaita de foles tem um papel extremamente forte na cultura popular e musical”, contou.
Uma vez que teve o primeiro contato com a cultura, um novo mundo se abriu para o Manoel, ficando ainda mais fascinado pelo conhecimento. “O interesse era específico no instrumento, mas após entender o que ele significa para os escoceses, vi que havia toda uma longa história de ligação através dos séculos. É impossível pensar no instrumento sem pensar em história.”
A descoberta de uma paixão
Apaixonado por tudo que estava aprendendo, o jovem Manoel, na década de 1980 e 1990, comprou dois CD’s com músicas do mesmo gênero e estilo. “Adquiri pela internet sem saber ao certo o conteúdo e fiquei encantado. Algumas faixas com gaita de foles irlandesa e escocesa”, relembra.
“O som é fascinante, amo todas! Mas vou citar uma faixa que me inspirou “Drowning Plains”. É um som marcante, é quente, profundo… Me transporta para um tempo distante no passado.”
“Queria, a partir daquele momento, ser capaz de reproduzir aquilo. Mas, para isso, precisaria aprender e ter o instrumento”, descreve Manoel.
Para realizar o sonho de ter a uma gaita de foles, instrumento bastante conhecido na cultura escocesa, o Manoel começou a se planejar. “Comecei a guardar dinheiro para comprar, mas nunca chegava no que eu precisava, devido à variação da moeda. Quase cheguei a desistir, então veio a ideia: ‘se não posso comprar, eu vou fazer”.
Músico e artesão autodidata
Motivado em criar a própria gaita, o músico autodidata começou a fabricação em 2005 e, após onze meses, entre erros e acertos, conseguiu ter a primeira gaita. “Obter resultados precisos em algo feito a mão requer muito esforço, extremo cuidado e o resultado pode não ser esperado como o desejado.”
Após várias tentativas, o Manoel conseguiu fabricar a gaita de foles que queria
Arquivo pessoal
“A primeira gaita que fiz foi de um modelo ibérico chamada ‘gaita sanabresa’. Eu era pura empolgação e zero técnica. Mesmo assim, eu tinha aquela gana de mostrar para as pessoas”, recordou.
Para a criação do instrumento, o músico teve acesso ao manual a partir de buscas feitas da internet. Ele ia todos os dias em uma lan house. O mesmo foi para conseguir aprender a tocar, assistindo tutoriais e vídeos.
Além da primeira gaita, Manoel fabricou outras três gaitas de foles, em 2008, 2011 e em outubro de 2024, respectivamente, mas no estilo Highland. “Fiz a parte que chamamos de ‘drones’. Fiz quase tudo, exceto a parte chamada ‘chanter’, que comprei com um dos mais conceituados fabricantes na Escócia.”
O instrumento escocês é separado por diferentes partes
Reprodução/ Internet
Apresentações
A primeira apresentação pública do gaiteiro ocorreu em 2015, de lá para cá, já foram oito performances, todas gratuitas. Recentemente, o Manoel começou a aparecer caracterizado e tocando o instrumento no Largo dos Amores, no Centro de Itapetininga. Tudo como hobby.
Bob Vieira também é músico e admirador do trabalho do Manoel. “Ele está tocando com mais desenvoltura e qualidade musical e, ao ganhar confiança, resolveu se apresentar na praça e receber os elogios. É algo inusitado, ele é autêntico, chamando a atenção. No mundo cabe todos nós! Viva a diversidade!”
O fã relembra como conheceu o piper. “Há uns 25 anos, ele era servente de pedreiro que fez a minha casa. Desde então, ele era fascinado pela gaita de foles. Vivia pesquisando sobre o assunto e tinha o sonho de construir uma. Construiu algumas e foi aprimorando. Com a internet, se aprofundou na arte de construir e tocar. Essa é a primeira vez que eu o vi tocando a caráter.”
O Manoel conta que não tinha intenção de ganhar dinheiro com as apresentações. “Foi mais pelo fascínio com um todo, em si. Até cheguei a pensar na alternativa de fabricar [o instrumento] para vender, mas está tudo muito incerto no momento, não tenho certeza se no Brasil há interesse de possíveis compradores.”
Um dos motivos para a afirmação do Manoel é por observar como a sociedade consome qualquer tipo de cultura atualmente. “Vivemos num tempo da cultura do imediatismo, as pessoas querem tudo para ontem e nada na vida que realmente tenha valor funciona desse jeito”, finalizou.
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