Brasileiro é vítima de tráfico na Ásia e segue desaparecido; veja mensagens de socorro

Luckas Viana dos Santos detalhou sequestro e trabalho forçado em mensagens para amigoReprodução / Redes Sociais

Um paulistano de 31 anos que morava na Tailândia se tornou vítima de tráfico humano na Ásia após um golpe que oferecia um emprego. Ele recebeu uma ligação do suposto RH que o convidou a viajar, em 7 de setembro, para outra cidade – Mae Sot – na qual foi “capturado.”

Luckas Viana dos Santos entrou no carro que seria da empresa com a promessa de uma viagem para a nova localização que duraria quatro horas. Quando percebeu que já fazia mais tempo, e depois de trocar de carro duas vezes, ficou preocupado e entrou em contato com um amigo, também brasileiro, que estava nas Filipinas, outro país asiático.

Troca de mensagens

Luckas escreveu para o amigo, em mensagens: “No meio do nada, entramos numa selva, pegamos um barco e tenho que esperar mais um carro [risos] Parece tráfico”.

Em conversas divulgadas pelo UOL, Luckas percebeu que não estava mais na Tailândia e demonstrou medo; ele começou a ver placas em birmanês, língua de Mianmar. 

Após meia hora, ele pediu para o amigo chamar a polícia e avisou que tinha pessoas armadas em volta – mas voltou atrás, por medo, e pediu para não chamar o socorro. Depois disso, Luckas contou que o celular dele foi confiscado; ele mandou algumas outras mensagens, mas disse que não podia dar detalhes do que aconteceu. 

Durante esse tempo, ele também compartilhou a localização com o amigo; o último local foi na cidade de Kyaukjat, Mianmar, fronteira com Tailândia. 

Mensagens para mãe

Luckas também conversava com a mãe antes de sumir e ficar sem celular, mas não deu tantos detalhes para a mãe. Cleide esperava uma ligação do filho:  “Passei a tarde esperando, ele não chegava nunca e, quando chegou, me mandou só uma mensagem estranha, seca, dizendo que estava tudo bem e ia dormir para trabalhar no dia seguinte,” disse ao UOL. 

“Fiquei muito preocupada porque sei que ele teria ligado e passado as informações do lugar como eu tinha pedido”,Luckas ligou dois das depois. “Quando ele ligou, no dia 9 à noite, perguntei: ‘Filho, tá tudo bem?’. Ele respondeu: ‘Não’. Aí pronto, fiquei apavorada”.

Luckas disse para a mãe que não podia conversar. Ela ouviu línguas que não reconheceu ao fundo, e mandaram o homem usar inglês para falar com a mãe – mas ela não fala a língua. Ele conseguiu, no entanto, avisar a mãe que estava em perigo e disse que tentaria ligar novamente.

‘Quero ir embora ou morrer’

Luckas seguiu contatando o amigo durante o mês seguinte, a partir de números desconhecidos ou app de mensagens; os textos eram abreviados para não ser traduzido, e havia sempre o pedido de não responder para não ser pego. 

Ele contou que estava sendo escravizado e fazia trabalho pesado 15 horas por dia, além de estar apanhando, ter privação e água, etc. Ele chegou a ser eletrocutado até sangrar depois de descobrirem que ele pediu socorro.

Algumas das mensagens de Luckas para o amigo: 

  • “Compartilhe fotos minhas em todas as redes sociais, minha vida corre perigo. Fale a todos o que aconteceu, todos precisam saber.”
  • “Só quero ir embora. Me ajude, tenho muito medo de morrer. (…) Faz dois dias que não tomo banho. Nós trabalhamos mais de 15 horas por dia. Isso não é vida, não sei o que fazer. Eu quero ir embora ou morrer.”

Ele contou, também, que era obrigado a aplicar golpes em outras pessoas. Ele fez amizade com duas angolanas com esse objetivo, e viu que as viu sendo vendidas. Ele disse que quase chorou, mas seria punido se o fizesse. 

Homem segue desaparecido

Uma amiga de Luckas contou, também ao UOL, que há mais de um mês não ouve sobre Luckas.  “A última notícia que tivemos foi que ele estava cheio de hematomas, sem conseguir andar direito pelos castigos que sofreu”, diz.

Governo e embaixadas

O Ministério das Relações Exteriores emitiu um comunicado no final de outubro alertado sobre tráfico de brasileiros. Eles informaram que a embaixada do Brasil em Mianmar “vem sendo notificada, desde setembro de 2022, de casos de aliciamento de brasileiros para trabalho em condições análogas à escravidão”, ligados a golpes financeiros virtuais e crimes cibernéticos.

“Trata-se de esquema no qual empresas, supostamente do setor financeiro, oferecem vagas de emprego em operações alegadamente situadas na Tailândia”, disse o Itamaraty. O comunicado detalha como brasileiros “são transportados para Mianmar, onde têm seus passaportes retidos e são submetidos a longas jornadas de trabalho, privação parcial da liberdade de movimento e possíveis abusos físicos”.

O Governo informou que, por meio do Itamaraty e contato com as embaixadas, acompanha o caso.

A ONU mostrou, em 2023, um relatório que Mianmar tem 120 mil pessoas traficadas e mantidas em estado análogo à escravidão; cenário acontece em outros países asiáticos. O comunicado explica: “A maior parte não é cidadã dos países em que ocorre o tráfico e muitas têm educação formal, por vezes oriundas de empregos profissionais ou com licenciatura, ou pós-graduação, alfabetizadas em informática e multilíngues.”

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