Em 7 anos, Amazônia recebeu apenas 10% dos investimentos em pesquisa no Brasil, aponta estudo


Artigo publicado pela revista Perspectives in Ecology and Conservation mostra que região da maior floresta tropical do mundo teve poucos investimentos em pesquisa em comparação a outras regiões do Brasil entre 2016 e 2022. Reserva Extrativista na Amazônia
Reprodução/TV Globo
Um estudo aponta que a Amazônia recebeu, em sete anos, apenas 10% de todo o orçamento federal para apoiar projetos de pesquisa. O levantamento mostra que a região ainda recebe poucos investimentos em pesquisa em comparação a outras regiões do Brasil e que a desproporção ocorre na região mais biodiversa do país, abrigando a maior floresta tropical do planeta.
Os dados foram divulgados pelo artigo “Brazilian public funding for biodiversity research in the Amazon” ( Financiamento público brasileiro para pesquisa de biodiversidade na Amazônia, em inglês), publicado na revista Perspectives in Ecology and Conservation.
Segundo o levantamento, cerca de 23% dos recursos são destinados para apoiar estudos ecológicos de longa duração.
Em 2022, a Amazônia obteve 13% das bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado e abrigou 12% dos pesquisadores que trabalham em pós-graduação em biodiversidade no país.
Os dados são do período de 2016 a 2022 analisando o financiamento de projetos de pesquisa em biodiversidade, a concessão de bolsas de pesquisa e a formação de pesquisadores por meio do vínculo a programas de pós-graduação.
As fontes analisadas foram os dois principais editais de recursos federais para pesquisa no Brasil: o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração (Peld) e o edital Universal, ambos do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e a agência federal de capacitação de recursos humanos, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O g1 Pará procurou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), responsável pelos editais, e aguardava resposta até a última atualização da reportagem.
A pesquisadora da Embrapa Amazônia Oriental Joice Ferreira disse que “o objetivo do trabalho foi analisar a distribuição de recursos para pesquisas em biodiversidade e mostrar como o conhecimento sobre a Amazônia vem sendo subfinanciado em relação às outras regiões do país”.
O trabalho também aponta caminhos e faz recomendações para diminuir essa desigualdade”, afirma.
Ela conta que as pesquisas sobre biodiversidade buscam entender como é a distribuição de espécies no território e quais regiões são ecologicamente mais sensíveis dentro de cada bioma.
“Os estudos ecológicos de longa duração monitoram as mudanças que cada bioma vem passando, causadas tanto por eventos naturais quanto pela ação do ser humano”, afirma pesquisadora Lis Stegmann.
O trabalho é resultado de uma rede de pesquisa no projeto Synergize, que faz parte do Centro de Síntese em Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (SinBiose/CNPq), reunindo pesquisadores de doze instituições nacionais e internacionais. O projeto é coordenado pela Embrapa e pela Universidade de Bristol, no Reino Unido.
Diferença entre regiões
A região Norte representa 59% de todo o território brasileiro e engloba 87% de toda Amazônia brasileira. O bioma abriga 16 mil espécies de árvores, 2,7 mil espécies de peixes, 1,4 mil espécies de aves, mais de 80 bilhões de toneladas de carbono, além da maior proporção de áreas protegidas e terras indígenas.
Em números absolutos Norte e Centro-Oeste apresentam os piores índices. De acordo com o trabalho, o Norte recebeu cerca de 10% dos recursos disponibilizados pelo edital Universal (CNPq) entre os anos de 2016 e 2022, e 22% do recurso disponível pelo edital de 2020 do PELD (CNPq) para pesquisas de longa duração. Já as regiões Sul e Sudeste concentraram juntas 50% desses recursos no período.
A análise em relação à população mostra que a região Norte possui uma bolsa para cada 34 mil pessoas, já a região Sudeste possui uma bolsa para 58 mil habitantes.
No Norte, há 1.5 mais pesquisadores atuando em programas de biodiversidade do que a Sudeste. Mas o cenário se inverte quando a distribuição de recurso é analisada à luz da extensão territorial.
“Apesar de o investimento per capita em pesquisa na Amazônia ser igual ou superior ao disponível para as regiões economicamente mais desenvolvidas do Brasil, a distribuição de recursos por área é altamente desigual”, afirma Stegmann.
Enquanto a região Sudeste recebeu cerca de US$2 por quilômetro quadrado (km²) para financiar pesquisas em biodiversidade pelo edital Universal, a região Norte recebeu US$ 0,13.
Segundo o estudo, cerca de 90% dos recursos federais para pesquisas em biodiversidade estão fora da região que abriga a maior floresta tropical do planeta.
“A gente chama atenção para a contradição entre a importância da região e o que ela recebe em investimento. É fundamental desenvolver um plano estratégico para alocação de recursos que alinhe a pesquisa com a relevância socioambiental da Amazônia para o Brasil e o planeta”, afirma a pesquisadora Joice Ferreira.
Recomendações
O artigo traz recomendações ao poder público, como a criação de um fundo para pesquisas em biodiversidade voltada especificamente para a Amazônia.
“É preciso considerar que a Amazônia é o bioma mais diverso do mundo e que abriga a maior floresta tropical remanescente, sendo um dos grandes centros de regulação climática do planeta. É necessária uma política estruturada, de longo prazo e contínua para pesquisa sobre a biodiversidade”, reforça Stegmann.
Outra recomendação é a descentralização dos recursos, com transferência de conhecimentos e articulação de redes de pesquisa entre as capitais e os municípios do interior da região.
“É importante que os editais tenham métricas diferenciadas e valorizem o olhar regional. As pesquisas devem ser avaliadas de acordo com as demandas locais”, afirmou.
E a terceira recomendação é o fortalecimento da cooperação e alianças transnacionais.
“As pesquisas ecológicas na Amazônia são geralmente caras porque exigem uma logística complexa. Projetos de ampla escala geralmente só acontecem em virtude da cooperação internacional, como o Programa de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia (LBA), o Observatório de Torre Alta da Amazônia (ATTO), entre outros”.
Os cientistas defendem que o aumento do financiamento de pesquisa para a região amazônica exige um aporte diferenciado por parte das agências federais e integração entre os programas amazônicos e os fundos internacionais.
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