Ex-delegado relata falhas técnicas no início da investigação do Caso João Paulo: ‘Muita coisa poderia ter sido resolvida com mais brevidade’


Novo episódio do podcast “Medo do Escuro” foi liberado nesta quarta-feira (21). Nele, o ex-chefe de polícia questiona resultados de perícia e exame necroscópico inicial. Caso João Paulo: após quatro anos, Polícia Civil indicia suspeito pelo crime
O ex-delegado seccional de Piracicaba (SP) Sérgio Augusto Dias Bastos, que assumiu o caso João Paulo dois meses após o crime, aponta supostas falhas nos primeiros trabalhos de investigação, realizados logo após a localização do corpo.
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O podcast revisita o caso do garoto de 9 anos encontrado morto dentro de um freezer em um colégio católico tradicional. Um dos crimes mais emblemáticos da história de Piracicaba, que completa 35 anos em 2024.
Este texto contém revelações sobre o quarto episódio do podcast. A recomendação é ouvi-lo antes (acesse o link acima) e ler a reportagem depois.
Laudo pericial de local mostra onde foram encontradas manchas de sangue (pontos A e B)
Reprodução/ Polícia Civil
O laudo pericial de local apontou que havia uma mancha de sangue em um piso e em uma parede das proximidades do local onde o corpo de João Paulo foi encontrado.
No entanto, uma faxineira relatou em depoimento para a Polícia Civil que encontrou várias manchas de sangue no chão de uma sala que era utilizada como depósito de materiais esportivos. Nessa sala, segundo depoimento de outra testemunha, o acusado pelo crime foi deixado sozinho com a vítima na última vez que ela foi vista.
Segundo a faxineira, as maiores manchas nessa sala tinham entre 10 e 15 centímetros de diâmetro e elas estavam secas. A profissional relatou que essas manchas foram lavadas por ela e outras colegas responsáveis pela limpeza do colégio.
Ela ainda contou que encontrou também “pinguinhos” de sangue no começo da escada que fica entre a sala de materiais e o bar do ginásio, onde fica o freezer.
E que no freezer encontrou quatro manchas de sangue menores: uma no trinco da porta, duas no interior dele e uma no chão, na direção de um furo existente no refrigerador.
Croqui produzido por desenhista técnico pericial detalha onde corpo foi encontrado e piso inferior onde ficava depósito de materiais esportivos
Reprodução/ Polícia Civil
O g1 questionou o ex-delegado seccional de Piracicaba, Sérgio Augusto Dias Bastos, sobre o fato dessas manchas relatadas pela faxineira não estarem relatadas no laudo. Bastos, que assumiu o cargo na cidade dois meses após a localização do corpo e também dessa perícia, afirmou à reportagem que acredita que houve falha nessa fase da apuração.
“Quando eu assumi a delegacia, esse crime já tinha acontecido. E particularmente na nossa época, houve muita deficiência na forma pela qual ocorrência foi atendida. Tanto no encontro do cadáver, quanto nas providências posteriores. Se limitou a pegar esse cadáver e levar para o necrotério e acabou. A Polícia Técnica não se dedicou a apurar outras circunstâncias do crime, que é o que deveria ter sido feito. Talvez, essa tenha sido a maior dificuldade para o trabalho do doutor [José Maria] Franchim [delegado que concluiu o inquérito]”, afirmou.
Bastos ainda afirmou que a conclusão do inquérito poderia ter sido mais rápida se essas supostas falhas não tivessem ocorrido.
“Eu lhe pergunto: por que o primeiro laudo [de causa da morte] saiu negativo? É uma interrogação que até hoje eu não tenho. Por que o levantamento do local não foi feito de acordo com as normas técnicas exigidas? Tenho dentro dos autos como foi apurado. Então é um caso que na primeira ação da polícia, ela foi muito falha. Poderia muita coisa ter sido resolvida com mais brevidade”.
Ao g1, o perito Antonio Fernando Macellaro, que assina o laudo pericial de local, afirmou que relatou no documento o que realmente viu na cena. E que não pode comentar sobre as manchas citadas pela faxineira por não se lembrar mais.
O médico responsável pelo primeiro laudo necroscópico, que não apontou a causa da morte da vítima, não retornou aos pedidos de entrevista.
O delegado plantonista que esteve no colégio no dia da localização do corpo foi Antonio Castilho Cunha. Ele faleceu em 2005.
Já a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo (SSP-SP) informou que o trabalho da polícia se encerrou e qualquer questionamento deve ser feito ao Poder Judiciário.
Bar que alojava o freezer desativado onde corpo de João Paulo foi localizado e escadas que levam a piso inferior
Reprodução/ EPTV
Depoimentos anteriores não citam manchas
Os depoimentos nos quais a faxineira cita as manchas de sangue no caminho entre a sala de materiais e o freezer, prestados em 1993, são utilizados na conclusão do inquérito da Polícia Civil, que levou ao indiciamento e prisão de um acusado, em 24 de novembro de 1993. Mas, 21 dias depois, um recurso da defesa foi acolhido e ele passou a responder em liberdade.
No entanto, em depoimentos anteriores prestados à Polícia Civil sobre o caso, essa faxineira não falou sobre as manchas de sangue naquele trajeto. A seguir, veja o que ela disse nesses primeiros depoimentos:
10 de abril de 1990:
Ela afirma que, além de três manchas de sangue no interior do freezer, não tinha encontrado outras em qualquer lugar do colégio e que não tinha sido informada pelas outras funcionárias da limpeza de que tinham encontrado algo.
4 de maio de 1990:
Ela afirmou que na quarta-feira seguinte ao crime pediu que as faxineiras fizessem a limpeza do local, o que ocorreu em seguida. E que não foi informada por elas sobre o encontro de manchas ou respingos de sangue na sala de jogos do oratório e sanitários.
“Não há provas com relação à participação do [suspeito] nesse crime. Tentou-se criar, tentou-se forjar, mas aquilo que foi criado e forjado não vingou […] Condenação só se pode proferir ante à certeza do comprometimento. E não existe certeza de nada porque a polícia não concluiu coisa alguma de concreto, de objetivo”, afirmou Ralph Tórtima Stettinger, advogado do suspeito, em uma entrevista à EPTV.
Sapatos e roupas de João Paulo foram encontrados arrumados ao lado do corpo
Reprodução/ Poder Judiciário
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