Registro de crimes raciais aumenta 15% no Paraná, mas número de investigações é inferior ao de denúncias; veja números


Em 2023, de 1.800 boletins de ocorrência registrados, 52% se tornaram inquéritos, ou seja, tiveram investigação formalizada. Investigação sobre racismo ficou empacada por seis meses, em Curitiba

Em um ano, os registros de crimes raciais cresceram 15% no Paraná, segundo dados da Secretaria de Estado da Segurança Pública (Sesp).
Apesar do aumento, a formalização de investigações no estado é bem inferior ao número de casos denunciados.
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Dados da Sesp obtidos pelo g1 e pela RPC mostram que em 2022, 1.560 boletins de ocorrência foram registrados por racismo ou injúria racial no Paraná. Deste total, 664 viraram inquéritos policiais – 42% do total de denúncias.
Em 2023, as denúncias aumentaram para 1.800, mas os procedimentos investigativos também não chegam perto do total – foram 950 investigações formalizadas, segundo a Sesp, atendendo 52% das denúncias feitas.
Total de ocorrências de racismo e injúria racial no Paraná de 2022
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Legalmente, após um inquérito policial ser concluído, o investigado por um crime pode ser indiciado, caso a polícia entenda que o suspeito descumpriu com a lei.
Neste caso, o processo é encaminhado ao Ministério Público, que pode, ou não, oferecer denúncia à Justiça. Em um processo de injúria racial, por exemplo, se um réu é condenado, pode receber pena de dois a cinco anos de prisão, além de multa.
Como resultado de um inquérito, também é possível ocorrer o arquivamento, caso a policia entenda, por exemplo, que não houve crime.
ANDAMENTO DE INVESTIGAÇÕES RACIAIS EM 2022 NO PARANÁ
ANDAMENTO DE INVESTIGAÇÕES RACIAIS EM 2023 NO PARANÁ
Demora na investigação policial
Haiara Coelho aguardou por meses que caso denunciado por ela fosse investigado
RPC
Além da disparidade entre o número de denúncias e investigações, quem sente o racismo na pele também reclama da demora na apuração de casos denunciados que tiveram inquérito instaurado.
É o caso da universitária Haiara Coelho, de Curitiba. A jovem viralizou no TikTok ao contar episódios de racismo que cometidos por colegas de sala em uma universidade particular da capital. A publicação passou de mais de um milhão de visualizações.
“Usaram a minha cor de piada com a seguinte frase: ‘Imagem chamar a Haiara pra um churrasco? Logo ela, munição de churrasqueira’. Tiravam fotos minhas na sala de aula […] Eu só to cansada de estar na mesma sala que pessoas racistas. Eu fico com ansiedade, eu fico com medo.”
Conforme Haiara, ela denunciou à polícia que sete estudantes da instituição dela criaram um grupo no WhatsApp chamado “Unidos pelo Ódio”, onde enviavam fotos dela com comentários racistas.
Comentários racistas foram feitos contra Haiara em grupo de estudantes
RPC
Segundo a estudante, o caso aconteceu em abril de 2023, mas em outubro do mesmo ano, a denúncia dela ainda não tinha resultado em inquérito policial porque, segundo a defesa da jovem, três delegacias discutiam internamente qual seria a unidade responsável por processar a situação.
Conforme o advogado da jovem, o caso só andou após a defesa ajuizar uma ação.
“Um dizendo que deveria ser a delegacia mais próxima da casa dela, outra dizendo que seria a delegacia mais próxima do fato e, pasmem, o Estado do Paraná tem uma delegacia especializada em crimes raciais e essa delegacia também entendeu que não seria eles pq eles só processam crimes raciais que não tem autoria determinada então, não tenho nem o que falar”, disse Antonio da Silva Filho.
Para o vice-presidente do Conselho Estadual da Promoção da Igualdade Racial, Alexandre César, a demora para uma resposta policial pode fazer com que a vítima se sinta desprotegida.
“Ela tem acreditação na segurança pública, mas também ela quer um conforto jurídico. É o mínimo. Nós temos que estar preparados. E mais que isso, a população vai precisar dos profissionais da saúde mental, porque quando se comete um racismo, você provoca um abalo psicológico.”
Racismo institucional
Especialista sugere caminhos para combate ao racismo dentro de ambientes de ensino
Além do campo criminal, a violência vivida por Haiara também se encaixa dentro do chamado racismo institucional, como explica a a pesquisadora e professora Lucimar Rosa Dias, coordenadora do grupo de Estudos e Pesquisas em Educação para as Relações Étnico-raciais ErêYá, da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Conforme Lucimar, a institucionalização do racismo acontece, por exemplo, quando episódios de crimes raciais são repetidamente presenciados em determinados ambientes, ou ainda quando escolas e universidades passam a ignorar denúncias e reclamações de pessoas pretas e pardas que denunciam crimes raciais.
Em julho de 2023, uma pesquisa da Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (IPEC) com dois mil participantes revelou que o ambiente escolar está no topo da lista de locais em que os brasileiros mais afirmam ter sofrido a violência racial.
Segundo a pesquisa, 38% dos entrevistados disseram que escolas, faculdades e universidades são os ambientes em que mais sofreram racismo ao longo da vida.
Essas situações somatizadas podem gerar nas pessoas negras o que é chamado de “estresse tóxico”.
“Esse estresse tóxico é essa convivência que a gente, as pessoas negras, têm diariamente com os episódios de racismo, às vezes noticiados, às vezes não, e que vai impactando sua percepção sobre o mundo, a autoestima, capacidade de pensar, confiança em termos de aprendizagem e os dados no Brasil”, explicou.
Em nota, a universidade em que Haiara estuda disse que acolheu a estudante assim que recebeu a denúncia. Afirmou, também, que tomou as medidas acadêmicas cabíveis, entre elas a abertura de sindicância com participação de Haiara e do advogado dela.
Segundo a universidade, esse processo foi concluído e medidas disciplinares foram aplicadas de acordo com o regimento interno.
Disse também que continuam à disposição da comunidade acadêmica para combater qualquer ato de discriminação e preconceito.
Caso de estudante está prestes a ser concluído, diz polícia
Em nota, sobre o caso de Haiara, a Polícia Civil disse que o inquérito policial está prestes a ser concluído e que para isso aguarda documentos administrativos da universidade e a realização da oitiva da última investigada, que ocorrerá nas próximas semanas.
Ainda conforme a polícia, os demais suspeitos foram ouvidos.
Também em nota, a polícia disse que está realizando levantamento interno para verificar “eventuais falhas no atendimento e o que é possível readequar nas rotinas de trabalho das delegacias para dar mais agilidade na apuração de crimes envolvendo a prática de racismo”.
A nota afirma, ainda, que o Setor de Vulneráveis da DHPP está sendo reestruturado para reforçar o atendimento de vítimas.
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