Como uma expedição ao Pico da Neblina revelou ao menos 10 novas espécies; pesquisador conta


Realizada em 2017, excursão científica era sonho antigo de cientistas brasileiros e possibilitou a descoberta de anfíbios, répteis, aves e plantas. O Pico da Neblina é o ponto mais alto do Brasil com 2994 metros de altitude
Agustin Camacho
Em uma expedição pioneira ao Pico da Neblina, realizada em 2017, onze zoólogos da Universidade de São Paulo (USP) descobriram mais de 10 novas espécies – entre anfíbios, répteis, aves e plantas -, que habitam tanto as partes altas quanto as partes mais baixas da serra.
Liderada pelo professor Miguel Trefaut Rodrigues, zoólogo do Instituto de Biociências da USP (IB-USP), a equipe sonhava em viajar ao pico mais alto do Brasil para catalogar as espécies que viviam ali. A expedição envolveu o Exército Brasileiro, guias Yanomamis e uma equipe de jornalistas.
“O objetivo da viagem ao Pico da Neblina era tentar descobrir o que existia na fauna daquelas montanhas da Amazônia que estão completamente isoladas da Baixa Amazônia, na parte brasileira. Já houveram expedições dos venezuelanos na parte deles, na parte das Guianas, mas nunca nada no Brasil”, afirma Miguel.
Os pesquisadores também queriam entender como animais sem qualquer parentesco com espécies das áreas baixas da floresta foram parar nas montanhas, e quais espécies poderiam sofrer com mudanças climáticas no futuro.
“Nós sabíamos que, no alto daquelas montanhas, a fauna e a flora eram completamente diferentes da parte de baixo da Amazônia. Acima dos 1 mil metros, as florestas se transformam em florestas de altitude e, a partir dos 1,8 mil, viram vegetações abertas que não tem nada a ver com a parte mais baixa. As temperaturas são muito mais baixas”, explica o pesquisador.
Com quase 3 mil metros, o Pico da Neblina é um tepui – tipo de formação montanhosa com paredes íngremes e topo aplainado, originada entre 4,6 bilhões e 540 milhões de anos atrás. A formação é característica do Escudo das Guianas e engloba o sul da Venezuela, a Guiana e o extremo norte do Brasil.
Na primeira fase da expedição, os pesquisadores ficaram alocados no 5° Pelotão Especial de Fronteira do Comando Militar da Amazônia, com sede em Maturacá (AM). O local serviu de laboratório provisório para identificação e catalogação das espécies encontradas. Na segunda fase, o Exército Brasileiro montou um acampamento no maciço do Pico da Neblina, o ponto mais próximo ao topo.
Espécies catalogadas
Somente entre anfíbios e répteis, os pesquisadores descobriram 10 novas espécies durante a expedição. Na parte baixa, coletaram três espécies novas, dois anfíbios e um lagarto, que ainda estão em processo de descrição.
Na parte mais alta, conhecida também como Bacia do Gelo, os pesquisadores coletaram duas novas espécies de répteis do gênero Riolama, endêmicas do local: Riolama stellata e Riolama grandis.
Riolama stellata
Renato Recoder
Também na parte alta, identificaram outras duas novas espécies de duas novas famílias de anfíbios, que chegaram a ser catalogados no fim de 2023, seis anos depois do fim da expedição. Logo após a chegada ao pico da montanha, o primeiro coletado foi o Caligophryne doylei, em referência ao livro “O mundo perdido”, do escritor escocês Arthur Conan Doyle.
Ainda mais ao topo, os pesquisadores coletaram outra nova espécie de anfíbio, que veio a ser catalogada como Neblinaphryne mayeri, em homenagem ao general Sinclair James Mayer, responsável por contatos entre o projeto e o Exército.
“O mais curioso é que quando a gente foi olhar esses bichos, a gente também perguntou o que eles eram, ninguém tinha a menor ideia do que era aquilo, mas óbvio que nós todos ficamos muito excitados com as descobertas, quer dizer, bichos completamente novos ali, era exatamente o que a gente pensava como resultado da expedição”, afirmou Miguel.
Neblinaphryne mayeri
Renato Recoder
Após finalizarem a datação das espécies, descobriram que os bichos se separaram de seus ancestrais há cerca de 45 milhões de anos atrás.
A hipótese de Miguel é que, por se tratar de um platô existente há bilhões de anos, à medida que o tempo passou, o solo foi sofrendo erosão, provocando a separação de um conjunto que era único e, consequentemente, a formação de novas espécies por isolamento geográfico.
O pesquisador também liderou uma expedição mais recente para a Serra do Imeri, em novembro de 2022, e comparou as espécies genealogicamente com as encontradas no Pico da Neblina.
“Algumas das espécies que a gente coletou na Serra do Imeri, são parentes de espécies que estão no Pico da Neblina, mostrando que em algum momento essas serras estiveram conectadas”, relata o professor.
Miguel explica que as espécies no Pico da Neblina estão em risco de ameaça, visto que são adaptadas a apenas um clima. É um clima muito mais frio do que o que impera na parte baixa da Amazônia e, com o aquecimento global, os animais que possuem baixa tolerância a altas temperaturas ficam sem onde ir e podem acabar desaparecendo.
Os pesquisadores ainda analisam cerca de cinco espécies de anfíbios e répteis para serem descritos. Além destes, uma possível nova espécie de coruja do gênero Glaucidium e uma planta estão no processo de datação.
*Texto sob supervisão de Giovanna Adelle
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