Secretos ou ‘não-oficiais’: entenda por que blocos ficam de fora da lista oficial do carnaval de rua do Rio


g1 foi em busca de entender o que são os blocos secretos, as diferenças entre eles e os não oficiais, suas motivações para desfilarem escondidos dos olhos da massa e dos órgãos públicos, além do impacto que geram na cidade e a opinião de quem faz carnaval de rua sobre esses cortejos “no escuro”. O que são os blocos secretos do carnaval carioca
“Os bons amigos sempre se encontram”. Essa frase do cronista João do Rio, do início do século XX, é quase uma máxima do folião carioca de hoje que, entre confetes e serpentinas, resguarda a esperança de encontrar os amigos no meio do bloco, enquanto se dá o privilégio de perder-se na alegria da multidão.
Mas, e quando o folião não encontra nem os amigos e nem o bloco?
O g1 foi em busca de entender o que são o que são os blocos secretos, as diferenças entre eles e os não oficiais, suas motivações para desfilarem fora do calendário dos órgãos públicos, além do impacto que geram na cidade e a opinião de quem faz carnaval de rua sobre esses cortejos “no escuro”.
Para início de conversa… “Nem todo bloco que não é oficial é secreto. Está clara essa distinção?”, enfatizou ao telefone, entre uma reunião e outra de carnaval, a presidente da Liga Sebastiana (Associação Independente dos Blocos de Carnaval de Rua do Rio de Janeiro), e autora do livro ‘Meu Bloco na Rua: A retomada do carnaval de rua do Rio de Janeiro’, Rita Fernandes.
Blocos não oficiais muitas vezes anunciam em suas redes sociais, por exemplo, seus horários elocais de desfile, apesar de não constarem no calendário da Riotur.
“Vários blocos não oficiais só estão na clandestinidade porque não conseguem cumprir com custos e exigências da Prefeitura. E muitas vezes essa termina por ser uma escolha de posicionamento politico diante dessas dificuldades”, observa Rita.
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Então, o que é um bloco secreto?
Foliã observa atenta a movimentação do Bloco Fogo e Paixão
Lucíola Villela/Riotur
Não há uma resposta única mas, de maneira geral, o bloco secreto é um grupo de foliões, artistas e músicos que costuma ser pequeno. Sem qualquer inscrição na Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro, a Riotur, responsável pela gestão e organização do carnaval carioca, eles não divulgam data, hora ou local de saída.
Alguns até divulgam, mas em cima da hora, e muitas vezes em esquema de boca a boca por meio das redes sociais, em grupos restritos. Há blocos secretos que mudam de nome a cada ano e promovem um verdadeiro pique-esconde entre os foliões mais curiosos.
Por que um bloco decide ser secreto?
As razões variam. Mas muitos blocos querem continuar sendo pequenos para manter a sua essência intocada, sendo preservada pela presença dos “mais chegados”.
“Blocos são feitos por turmas e começam com uma ideia. Mas podem seguir com o desejo de continuar pequenos porque é uma galera que se juntou, que tomava um chopp junto, uns sabiam tocar instrumentos, têm uma história com a ocupação de um território, ou mesmo trabalhavam no mesmo lugar – como foi o caso do compositor Lamartine Babo, lá em 1920, que foi um dos fundadores do bloco de funcionários da Light”, relembra Pedro Dias, o Pajé, um dos fundadores do bloco Planta na Mente e membro do Coreto (Coletivos de Blocos Organizados do Rio de Janeiro), que reúne 37 blocos.
Para Vagner Fernandes, jornalista e fundador do Timoneiros da Viola – bloco que homenageia Paulinho da Viola, mas não vai desfilar em 2024 – os blocos secretos decidem permanecer “no escuro” para conseguirem festejar com mais segurança e organização também.
“Acredito que os organizadores tentem preservar um ordenamento diante da noção de que não seriam capazes de atender a uma demanda maior de público. Se você não tem estrutura, você inviabiliza o cortejo, mesmo se fosse um bloco autorizado pela Riotur. E são os organizadores que são responsabilizados se algo inesperado acontecer”, argumentou.
Blocos podem optar por permanecerem “piratas” ou secretos em resposta à falta de autorização do poder público ou em defesa de lutas sociais, políticas ou identitárias, como explicou a Rita Fernandes no início desta reportagem. O Manifesto Ocupa carnaval de 2022, ainda atuante, do coletivo Ocupa carnaval, exemplifica bem esse desejo.
Entitulado “A rua é do povo e nossa voz é livre”, eles afirmam que “independentemente do interesse comercial de empresas patrocinadoras, é dever da Prefeitura apoiar e incentivar o carnaval, como afirma o artigo 388 da Lei Orgânica do Município. Cabe ao poder público garantir recursos e a infraestrutura urbana necessária para a manifestação rolar da melhor forma possível para os foliões e para a cidade. Mas quem faz e decide é o povo.”
Porém, a festa libertária e intransigente que é o carnaval também requer ordenamento, na visão do fundador do Timoneiros da Viola, Vagner Fernandes:
“carnaval não é ‘ah, é isso mesmo’. É uma festa de subversão moral sim. Mas do ponto de vista físico e da segurança não pode ser subversivo. ‘Vamos fechar a rua, vamos subir em poste, laje’, colocar a vida em risco, não é assim. Isso é uma irresponsabilidade não só de quem participa, mas que recai sobre quem organiza. Já houve confusão no Timoneiro em que eu peguei o microfone e parei o bloco, tive que impor uma autoridade”.
Motivos para blocos não receberem o aval da prefeitura
Para Ronnie Costa, presidente da Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro, a Riotur, responsável pela gestão e organização do carnaval carioca, não há perseguição aos blocos não autorizados.
“A gente quer organizar o máximo possível e, para isso, precisamos saber onde eles estão e seus horários. Por isso realizamos as inscrições, para que os blocos possam sair com a estrutura necessária, conforto e com qualidade. Agora, o carnaval é uma manifestação popular, e nós não temos controle sobre isso. Para o poder público, seria muito mais fácil se 100% dos blocos estivessem inscritos, legalizados, mas não há qualquer tipo de perseguição aos blocos que fazem uma manifestação menor. A prefeitura está em todos os lugares e estaremos preparados”, afirmou.
Ronnie afirmou que a Riotur, na verdade, não tem um poder de veto sobre os blocos, mas opina e pode optar por não oficializá-lo. Questionado pelo g1 sobre os principais motivos e critérios para um bloco não ser autorizado, ele elucidou com exemplos:
O lugar não permite o fechamento de rua
O bloco não consegue comprovar que tem organização suficiente para desfilar
O horário é conflitante com o horário de outro bloco tradicional
Escondido é mais gostoso ou é antidemocrático?
Dj e um dos fundadores do bloco Minha Luz É de Led, Guilherme Tomaz (Guigga) entende que os blocos secretos acabam por diminuir a possibilidade dos foliões aproveitarem as festas nos espaços públicos da cidade. Porém, apesar de blocos não oficiais e blocos secretos não serem sinônimos, há blocos não autorizados que acabam ocupando de maneira sigilosa a cidade com medo de repressões.
“Sou contra os blocos secretos. Todo mundo sabe que o Minha Luz É de Led sai quinta antes do carnaval, no Centro. Lá em 2014, quando começamos, não éramos oficiais porque era um bloco de mil, 4 mil pessoas e tínhamos preocupação de dar problema com órgãos públicos. Mas quando começamos a arrastar 10x isso pelas ruas, quisemos buscar apoio e articulação com a prefeitura – até pela nossa segurança. Somos um bloco noturno e elétrico, de sistema de som, é só apreender um equipamento que acaba a festa. Não são 60, 80 músicos. E já fomos abordados por polícia e tivemos que parar, extracarnaval”, explica.
Musa do Minha Luz é de Led diz que bloco representa nova tendência do Carnaval do Rio
Djs do Minha Luz É de Led se divertem durante cortejo de carnaval
Divulgação/ Minha Luz É de Led
E Guigga complementa: “Não queremos ser segregacionistas. É sobre ser público, e não fazer algo para um grupo seleto de amigos ou para quem tem informação privilegiada. Tem que ser para quem quiser chegar, de todas as cores, idades. Fazer festa secreta em lugar público não faz muito sentido pra gente. Eu acredito que devam ter blocos que só divulguem por meio de boca a boca, ou mais em cima por suas razões e dificuldades – nós passamos por isso no início. Mas não queremos ser pequenos”.
Este ano, porém, o Led se manifestou em suas redes sociais e decidiu não desfilar diante das difuldades em obter o aval da prefeitura.
Questionado pelo g1 acerca de um teor antidemocrático dos festejos escondidos pela cidade, para além de um possível impacto no trânsito e no ordenamento urbano, Vagner Fernandes argumentou que os perfis de público são muito distintos:
“Não acho que os blocos secretos lancem mão de uma estratégia para segregar. A gente sabe que tem blocos com perfis mais elitizados pela localização geográfica, pelo perfil musical, e que naturalmente chamam determinadas pessoas e outras não. Quem vai para o Carrossel de Emoções, Fervo da Lud e outros mega blocos, muito provavelmente não vai procurar por um bloco secreto. Não que algumas pessoas não curtam tudo, mas todo bloco tem públicos específicos”, argumenta.
Léo Santana comanda o Bloco Gold no circuito de megablocos do Centro do Rio
Alex Ferro/ Riotur
Na visão da presidente da Liga Sebastiana, Rita Fernandes, é fundamental que o movimento do carnaval de rua nasceu secreto e à margem das autoridades públicas.
“Antigamente, o carnaval do povo era marginalizado: os cordões, os zé pereiras, os entrudos, e existia uma tensão de disputa de território na cidade, porque os não oficiais queriam os mesmos direitos dos oficiais lá em 1910, 1920. Igual acontece hoje. As pessoas iam presas por pular carnaval e a polícia decidia quem podia ou não desfilar na Avenida Rio Branco. O carnaval sempre foi um espaço de disputa de poder e de narrativas” , recordou.
Ainda pensando no impacto dos blocos secretos na cidade, o Pajé, do Planta na Mente, alertou sobre a importância de não vilanizar os blocos secretos diante de pautas mais importantes para o carnaval de rua:
“Os secretos são 2% do carnaval que a gente vê na cidade. Isso está numa bolha especifica do Centro e da Zona Sul. E, pode escrever, onde tem um bloco secreto em uma hora do dia, poucas horas antes ou depois tem um autorizado no mesmo lugar, porque os grupos de músicos são praticamente os mesmos entre o blocos, às vezes é só uma manifestação espontânea naquele vai e vem entre um bloco e outro. Não se deve colocar o bloco secreto no centro dos problemas do carnaval carioca, e sim a falta de diálogo com a Riotur”.
Como se acha um bloco secreto?
Sem gps e sem rede social, não existe uma fórmula para encontrar um bloco secreto. Mas há dicas que podem facilitar esse trabalho dos foliões aspirantes a Sherlock Holmes carioca. E quem poderia imaginar que há princípios de um bom marketing boca a boca entre os blocos clandestinos ou secretos – é o que conta o Gerente de Marketing e Professor de Growth, Pedro Campos.
“Os blocos secretos, por mais que queiram ser pequenos, acabam sendo um excelente case de marketing. Se analisarmos o coeficiente viral, que entende o número de novos clientes em comparação com o tempo que as pessoas levam para serem atingidas por esse conteúdo, produto ou compartilhamento de informação, os blocos dão de zero a cem nas marcas, porque no carnaval as pessoas estão com uma urgência muito elevada, além da sensação de exclusividade mexer com as tomadas de ação das pessoas”, analisa o publicitário.
1) Entre em grupos de carnaval privados
‘Quem avisa amigo é!’ diz o samba enredo da São Clemente de 1988 e a frase cai como uma luva para explicar a importãncia dos grupos de carnaval digitais e privados. Como o Pajé disse acima, eixo Centro e Zona Sul do Rio são os pontos focais desses tipos de bloco. Nos últimos anos, bairros da Zona Norte como Vila Isabel e Vila Cosmos também tem entrado no roteiro.
2) Seja amigo dos músicos ou os acompanhe nas redes sociais
“Os músicos, quando entram em blocos, se tornam mais conhecidos no ecossistema do carnaval. E acabam conhecendo, ou formando a partir deles mesmos, grupos de pessoas que têm interesse em se divertir nesses ambientes. E aí começa um boca a boca pessoalmente, que avança em alguns grupos mais restritos de Whatsapp”, explica Pedro Campos.
3) Se jogue nas ruas e siga o som
Por questão de segurança, nunca vá sozinho, e esteja sempre em grupo, quando for explorar novos cantos da cidade. Pergunte aos moradores sobre os blocos quando estiver no local. Aproveite para apurar a audição e usar a possibilidade de encontrar um cortejo seguindo a música.
O quanto antes você encontrar o bloco secreto, mais vazio ele estará, já que os foliões vão chegando com o tempo, na medida em que a informação sobre ele vai se alastrando pelas redes sociais.
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