Plantas-do-ar: vegetais com ‘pelos’ e que abandonaram o chão


Muito comum no Brasil, um grupo de plantas desafia nosso entendimento sobre o que é ser um vegetal. Tillandsia usneoides, conhecida como barba-de-velho
Billy Hathorn / Creative Commons
Seria possível existir uma planta sem raízes? Se você cresceu no sítio ou sempre se atentou à natureza, provavelmente sabe de quais vegetais estamos falando. Na coluna Histórias Naturais desta semana, o biólogo Luciano Lima explica quem são as plantas filhas do vento e como elas deixaram de habitar o solo.
Seu eu pedir para você desenhar uma planta, mesmo que seus dotes artísticos não sejam os melhores, você muito provavelmente irá desenhar um vegetal com folhas, tronco e raízes. Mas e se eu pedisse para você desenhar uma planta, mas sem tronco, o que você desenharia? Uma moita de capim? Ótimo, acertou. Mas se além de sem tronco, a planta também não tivesse raízes? Impossível?
Desde criança aprendemos que as plantas são formadas por folhas, troncos e raízes. No entanto, não é muito difícil encontrarmos plantas que abriram mão de alguma dessas estruturas. As gramíneas, como já comentei, não possuem raízes. Já a grande maioria dos cactos não possui folhas. Mas será possível existir alguma planta sem duas dessas estruturas clássicas? A resposta é: sim, as tilândsias.
As tilândsias, também chamadas em português de gravatazinho ou cravo-do-mato, formam um gênero de bromélias encontradas exclusivamente nas Américas, ocorrendo do sul dos EUA a Argentina. A origem do nome do grupo, difícil de pronunciar de primeira, é uma homenagem feita pelo pai da nomenclatura científica, Carlos Lineu, ao botânico sueco Elias Tillandz.
Embora, no formato geral, a maioria das tilândsias se pareça com outras bromélias, elas costumam ser bem menores. Não por acaso, algumas pessoas se referem a elas como “bromélias em miniatura”. Assim como todas as outras bromélias, as tilândsias não possuem caule. Sua folhas são organizadas circularmente sobrepostas umas sobre as outras, com folhas novas brotando no centro da planta.
Na maioria das bromélias, a disposição intricada das folhas da origem a uma forma parecida com uma rosa que, por isso, é chamada de roseta. Já expliquei em um outro texto do Histórias Naturais que as rosetas das bromélias formam piscinas nas copas das árvores, que além de fornecem água para as próprias bromélias, são fundamentais para sobrevivência de muitos outros animais.
As tilândsias, no entanto, possuem folhas menores, mais finas e compridas que as bromélias de modo geral e, por isso, a maioria de suas espécie não consegue armazenar água entre as folhas.
Para aumentar o desafio de obter água, diferente da enorme maioria das plantas, as tilândsias não possuem raízes capazes de absorver água e nutrientes. Faz sentido, já que suas elas seriam inúteis para uma planta que cresce completamente fora do chão. As tilândsias praticamente não possuem raízes, e o pouco que possuem pode ser cortado por inteiro sem qualquer prejuízo para a planta.
Muitas tilândsias são epífitas, o que, no jargão dos botânicos, é um termo utilizado para descrever plantas que se desenvolvem sobre outras plantas.
Algumas tilândsias são epífitas, ou seja, se desenvolvem sobre outras plantas como a Tillandsia stricta
Luciano Lima
Mas além de epífitas, as tilândsias podem ser rupícolas, se desenvolver sobre rochas, “fiícolas” (sobre fios de alta tensão), “gradícolas” (sobre grades) ou “qualquer coisícolas”. Por viver fora do solo, a única utilidade das raízes das tilândsias é ajudar a fixá-las nos locais onde estão crescendo.
Comece a reparar na fiação, em áreas urbanas mais arborizadas ou próximas a parque e praças, você irá reparar tilândsias crescendo nos fios, prova definitiva de que suas raízes não servem para muita coisa.
Uma espécie em particular, a barba-de-velho (Tillandsia usneoides), abriu mão das raízes por completo, desenvolvendo longos “cordões” formados por diferentes indivíduos unidos pelas folhas e que juntos se enroscam na copa das árvores, onde ficam pendurados.
Mas se não possuem raízes, como as tilândsias absorvem água e nutrientes? A resposta é simples, tricômas. Tricômas são estruturas microscópicas que se parecem com pelos, capazes de absorver água e nutrientes. Muitas bromélias também possuem tricomas, mas as tilândsias possuem tantos e em uma densidade tão grande que eles acabam conferindo um aspecto aveludado às plantas.
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A capacidade de absorver água a nutrientes através das folhas permitiu que as tilândsias abandonassem o completamente o solo e, por isso, são conhecidas como “plantas-do-ar” ou “plantas-aéreas”. Crescendo em lugares inacessíveis para maioria dos animais terrestres, para polinizar suas belas flores elas contam com os mestres dos ares, os beija-flores.
Flores que ficam no alto são polinizadas por beija-flores
Luciano Lima
Já suas sementes são carregadas pelo vento, fazendo das plantas-do-ar, literalmente, filhas do vento. Tantas adaptações fantásticas resultaram em um grande sucesso evolutivo. São conhecidas cerca de 700 espécies de tilândsias, das quais mais de 80 estão presentes no Brasil. Certamente deve ter uma delas não muito longe de você neste exato momento.
Diz o ditado que “toda a regra tem uma exceção”. A natureza ilustra bem esse ditado ao criar uma planta sem tronco, sem raízes e com pelos. Mas, ao mesmo tempo, a natureza é uma exceção a esse ditado. Já que, sem exceções, todas as espécies que compartilham o planeta com a gente tem uma história fantástica para contar.
*Luciano Lima é biólogo e parte da equipe do Terra da Gente
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