‘João do Brejo’: quase 1 ano após resgate de trabalho escravo, família tenta na Justiça retirar idoso de asilo em MG


Hoje, “João do Brejo”, como é conhecido, está acolhido em uma instituição de longa permanência em Bueno Brandão (MG), mas família não consegue retirá-lo do local. Após idoso ser resgatado em condição de escravidão, família tenta retirá-lo de asilo
A família do idoso que estava desaparecido há 40 anos e foi resgatado no ano passado de uma fazenda em condições análogas à escravidão trava uma batalha na Justiça para conseguir levá-lo para casa. Hoje, “João do Brejo”, como é conhecido, está acolhido em uma instituição de longa permanência em Bueno Brandão (MG), mas desde que o exame de DNA comprovou a relação sanguínea, a família não consegue retirá-lo do local.
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O filho do seo João, Natal Aparecido, só consegue ver o pai uma vez por mês em visitas agendadas no asilo. O empresário mora em Manduri (SP) e há quase um ano precisa viajar quase 500 quilômetros para reencontrar o pai. Mas o que ele quer é cuidar do pai na própria casa.
“A gente gostaria que ele estivesse perto de nós, junto com a gente, para que a gente pudesse estar ali junto com ele e não necessitasse fazer uma viagem tão grande para ver o nosso pai”, disse o filho do seo João.
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Família ainda tenta retirar idoso de asilo 1 ano após resgate de trabalho escravo
Reprodução EPTV
A história do seo João ficou conhecida em todo o país depois que ele foi resgatado no início de 2023 de uma fazenda na zona rural de Bueno Brandão, onde estava em situação semelhante à escravidão. O idoso, natural do interior de São Paulo, estava desaparecido desde 1983.
Quatro décadas depois, sem lembranças do passado e com problemas neurológicos, foi encontrado em condições desumanas. O caso foi destaque no programa Fantástico, da Rede Globo. A família então o reconheceu pela TV e foi visitá-lo. Um exame de DNA comprovou o parentesco.
Após ser resgatado, seo João foi levado para o Asilo Recanto Santa Luzia, em Bueno Brandão, onde está há quase 1 ano. Desde que o exame de DNA comprovou a relação sanguínea, a família do idoso tenta levá-lo para casa, mas diz que, por questões jurídicas impostas pelo próprio asilo, não consegue tornar realidade o desejo de tirar o idoso dali.
“Ele não sai, ele não interage com ninguém e ele tem um problema também, muita dor de cabeça, desde a primeira vez que eu estive aqui ele me falou que estava com essa dor de cabeça e até hoje ele se encontra. Ou seja, aqui não se consegue ter um especialista, eles não podem, porque é uma instituição carente, eles não podem ter um especialista, coisa que a gente pode sim, pagar para ele, para que ele possa ter um tratamento adequado e voltar sua vida o melhor possível”, disse o filho.
Família ainda tenta retirar idoso de asilo 1 ano após resgate de trabalho escravo
Reprodução EPTV
Caso na Justiça
O caso foi parar na Justiça. A Justiça responsável pelo processo solicitou dois estudos sociais. Um sobre a família, para comprovar que eles estão aptos a receber o idoso e outro estudo feito no asilo, sobre a situação do seo João.
O estudo da família foi feito por um assistente social do interior de São Paulo e comprovou que eles têm condições, tanto financeiras quanto emocionais, de morar com o seo João. Já o estudo feito na entidade diz que ele ainda não está preparado para uma mudança de local neste momento.
“A juíza diz que era para ter uma mudança devagar, aos poucos, o seo João iria se adaptando à família, então não pode ser assim abrupta, de repente. Então tem que ser um procedimento normal, em um processo que está correndo normalmente e tem que ter uma mudança devagar, aos poucos, para ele se adaptar”, disse o advogado do asilo, Sidinei Aparecido Paiva Domingos.
João do Brejo foi resgatado do trabalho escravo após 40 anos
Reprodução/TV Globo
A advogada que defende os filhos do idoso questiona a diretoria da instituição.
“A pergunta que fica é: de quem é o interesse de manter o seo João ainda nesse abrigo, depois de quase um ano. Hoje ainda fui surpreendida por uma manifestação por parte dos dirigentes do asilo solicitando à juíza de Bueno Brandão que faça com que os familiares paguem a internação do seu João desde janeiro do ano passado, bem como os honorários do advogado que ajuizou essa ação pedindo a curatela para o presidente daquela instituição”, disse a advogada Sylmara Fraga Rodrigues.
O presidente do Recanto Santa Luzia explica que obedece uma decisão judicial e acredita que é justo cobrar da família os gastos dos últimos 10 meses.
“Ele será liberado daqui a partir do momento que a Justiça determinar a liberação dele, da mesma forma que a Justiça mandou ele vir pra cá. A saída dele daqui não depende da nossa entidade, depende da Justiça. Ele está sendo mantida aqui porque a Justiça determina que ele esteja aqui. O fato da gente estar pleiteando uma ajuda de custo do tempo dele aqui, é apenas uma ajuda de custo, se não vier, a gente não vai poder fazer nada, da mesma forma que outros muitos internos que nós temos nós custeamos sem nenhum benefício, sem receber nada”, disse Celso Gomes Ribeiro.
Segundo o advogado do asilo, é preciso respeitar o resultado dos estudos e a aproximação do idoso com a família deve acontecer de forma gradativa.
Após 40 anos, família reencontra idoso desaparecido resgatado em situação análoga à escravidão em Bueno Brandão, MG
Arquivo pessoal
“Os 10 meses é relativo a uma mudança que há 40 anos ele não vê, nem reconhece os filhos, nenhum familiar. Então não são 10 meses que pode decidir uma vida de 40 anos”, disse o advogado.
Os filhos do seo João esperam agilidade da Justiça para liberação do idoso.
“Vejam com muito carinho esse nosso lado, que é um lado de família que está esperando por ele. Aqui tem irmãos, tem filhos, tem netos, bisnetos, uma família grande esperando por ele, ansiosa por carinho, para dar atenção para ele, uma família de verdade”, disse o outro filho do seo João, Nautu Aparecido.
“Ele já ficou 40 anos praticamente longe da família, agora é a hora, nós não temos mais tempo. Nós precisamos dele, nós queremos ele junto conosco e nós não vamos desistir”, completou Natal.
Ainda de acordo com a advogada da família do seo João, os locais de realização dos estudos sociais são escolhidos de acordo com o que determina o Código Civil e devem ser feitos nas comarcas de elaboração dos estudos, neste caso, na cidade de residência dos filhos e no local de moradia do interditando, em Bueno Brandão.
Os dois laudos são válidos e foram elaborados por profissionais habilitados e estão juntos ao processo. Ela também disse que entrou no Tribunal de Justiça de Minas Gerais com um pedido de tutela antecipada, mas o pedido não foi aceito.
O tribunal solicitou à Comarca de Bueno Brandão novos documentos para análise. Agora, a família aguarda o curso do processo e a decisão judicial.
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