Crime da 113 Sul: depoimento de assassino confesso pode provocar reviravolta no caso


À ONG Innocence Project, organização internacional que busca reparar erros judiciais, um dos dois assassinos confessos admite que mentiu e incriminou um inocente. Catorze anos depois de um crime brutal em Brasília, um assassino confesso apresentou uma versão nova para o caso. O homicídio triplo de um ex-ministro do TSE, da mulher dele e da empregada doméstica do casal se tornou conhecido como o Crime da 113 Sul.
Um crime, muitas versões. Em depoimento autorizado pela Justiça à ONG Inoccence Project – uma organização internacional que busca reparar erros judiciais -, um dos dois assassinos confessos admite que mentiu e incriminou um inocente, preso há quase 14 anos:
“Em nenhum momento eu entrei em contato com Francisco Mairlon. Francisco Mairlon não tem nada a ver com isso aí. Ele é inocente, entendeu? Ele é inocente. Ele foi levado em um processo a pagar por um crime que ele não cometeu. Ele está há 14 anos inocente. Isso que eu quero deixar afirmado. Tem muitos anos que eu quero uma oportunidade dessa que eu estou tendo hoje. Até pode ser Deus que está trazendo isso para mim, para dar uma vitória para ele lá, porque ele merece, porque ele está pagando por um crime que ele não cometeu.”
O crime que chamou a atenção de todo país aconteceu em 2009, no 6º andar do bloco C da quadra 113, na Asa Sul, em Brasília. Quando os corpos das três vítimas foram encontrados já estavam em estado de decomposição; tinham levado 70 facadas. O caso, tratado inicialmente como latrocínio – roubo seguido de morte -, ganhou ainda mais repercussão por conta da identidade de uma das vítimas: um ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral.
Os corpos de José Guilherme Villela, a mulher dele, Maria Villela, e a empregada Francisca Nascimento foram encontrados pela neta do casal. As investigações foram repletas de idas e vindas.
A primeira delegada do caso, Martha Vargas, disse que teve a ajuda de uma vidente para desvendar o crime. Apontou três supostos culpados, depois foi presa e condenada por ter forjado provas contra eles.
Em 2010, outra delegacia assumiu o caso e apontou os executores: Leonardo Campos Alves, ex-porteiro do prédio dos Villela, e o sobrinho dele Paulo Cardoso Santana. Os dois confessaram o crime. Na casa deles foram encontradas as joias roubadas das vitimas.
Durante as investigações, Leonardo e Paulo mudaram de versão, disseram que foram contratados pela filha das vítimas, Adriana Villela, para matar os pais dela. Também incluíram na cena do crime uma terceira pessoa: Francisco Mairlon Aguiar, o condenado que agora Paulo inocenta. Ele argumenta que na época acusou Francisco porque foi torturado pela polícia.
“Eles torturaram, eles fizeram tudo. Esbagaçou, mas eles estavam muito certos. Eles estavam no rumo certo, eles tinham pegado dois culpados. Aí tirou eles do trabalho deles e colocou outra delegacia. Aí trouxe dois inocentes para pagar por um crime que eles não cometeram”, diz Paulo.
Paulo Cardoso Santana em depoimento em que inocente terceiro acusado de crime
JN
A segunda inocente, de acordo com Paulo, seria Adriana Villela, a filha do casal. Nessa nova versão cairia a tese do crime encomendado. Adriana não é citada no pedido de habeas corpus apresentado nesta quinta-feira (1º) pela ONG ao Superior Tribunal de Justiça porque, no caso dela, ainda cabe recurso.
A defesa de Francisco Mairlon argumenta que o nome dele só foi apontado pelos réus confessos no sétimo depoimento à policia e que os dois jamais repetiram a acusação em juízo.
Além do depoimento de Paulo, a defesa de Francisco Mairlon argumenta que faltam provas materiais contra ele. Por isso, pede que seja feito um exame de DNA e um rastreamento do celular de Francisco para, segundo a advogada, comprovar que ele não passou nem perto do apartamento da 113.
Ao mandar o caso a júri popular em 2013, o juiz do caso, Fábio Francisco Esteves, afirmou que “não obstante a ausência de prova técnica, o denunciado confessou sua suposta participação”. A defesa argumenta que Mairlon só confessou sob tortura. Segundo a advogada Dora Marzo, ele recebeu da polícia a promessa de que, confessando participação no crime, sairia logo da cadeia.
“Ele foi ouvido de maneira sequencial, ou seja, as oitivas repetidas; muitas horas sem se alimentar, sem dormir. A privação do sono é um dos fatores estudados que podem conduzir alguém, a pretexto de sair daquela situação, de por um fim àquela situação, acabar admitindo uma prática ou a participação em um crime que não aconteceu”, diz a advogada.
O promotor do caso, Marcelo Leite Borges, disse que a nova revelação apresentada por Paulo Cardoso Santana não tem valor e argumentou que durante todo o processo os réus mudaram de versão para escapar de uma condenação.
“Uma alegação sem prova nenhuma, que quer fazer a gente reabrir toda a instrução de um processo transitado em julgado. O valor? Nenhum, porque isso aí ele já fez durante o processo. Eles, todos eles, todos eles voltaram atrás nos seus depoimentos. Isso é mais uma manobra para tentar justificar a reabertura do caso e, gente, a coisa julgada tem que ser respeitada, a decisão do conselho de sentença tem que ser respeitada”, diz o promotor.
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