Parauacu: conheça a vida secreta desse discreto primata brasileiro


Pesquisadora da Unicamp enfrenta difícil missão para estudar os macacos mais tímidos da Amazônia. Os parauacus-de-cara-branca têm como característica o dimorfismo sexual, ou seja, a diferença de cores entre os sexos
Nina Wenóli/iNaturalist
Uma bola de pelo no alto da árvore. Para quem navega por um igarapé ou em meio ao igapó inundado, na floresta amazônica, esta pode ser a única visão de um bicho tímido, que prefere o silêncio do esconderijo à exposição pública. Ou, literalmente, um ‘bicho do mato’. Um único nome comum – parauacu – designa nove espécies do mesmo gênero (Pithecia).
Os hábitos reservados somam-se às dificuldades de localização e de aproximação de pesquisadores para explicar porque eles ainda são tão pouco conhecidos aqui no Brasil.
Menos conhecidos, inclusive, do que os outros macacos da mesma família – a dos piteciídeos – da qual fazem parte os cuxiús, os uacaris e os sauás.
Os paraucus se distinguem pela espessa pelagem na cabeça, no dorso e na cauda – que não é preênsil, ou seja, não agarra troncos, cipós ou ramos. Em compensação, a cauda grossa e peluda serve de ‘leme’ nos saltos entre os galhos e também de contrapeso auxiliar no equilíbrio.
Possuem mãos adaptadas para segurar-se com mais facilidade nos galhos e cipós e assim compensar a falta da cauda como quinto apoio.
Os parauacus possuem mãos adaptadas para segurar-se com mais facilidade nos galhos e cipós e assim compensar a falta da cauda como quinto apoio
Leonardo Merçon/iNaturalist
Entre outros nomes populares, o parauacu é conhecido também, pelas suas características, como macaco-voador, macaco-cabeludo e macaco-preguiça – pela falta de distinção entre a cabeça e o pescoço por causa da pelagem longa.
Um dos estudos sobre o gênero Pithecia virou tese de doutorado da pesquisadora Eleonore Zulnara Freire Setz, do Laboratório de Ecologia e Comportamento de Mamíferos do Departamento de Zoologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), nos anos 2000.
Não foi fácil nem rápido se aproximar e ganhar a confiança de um grupo de parauacus-de-cara-branca(Pithecia chrysocephala) num fragmento de floresta 80 km ao norte de Manaus, a capital amazonense.
Foram quatro meses só para habituar os macacos, ou seja, conseguir que eles não fugissem quando da tentativa de aproximação.
“No início, qualquer pessoa para eles é um predador”, esclarece a pesquisadora em uma entrevista concedida à Revista Terra da Gente no ano de 2007.
No começo da pesquisa, Eleonore chegou a ficar seis meses acampada perto dos parauacus
Wilson Spironello
Os animais, tímidos e desconfiados, deixavam-se observar por até cinco horas. Com mais dois meses, Eleonore conseguia ficar com eles o dia todo. Mas, para estudar a ecologia alimentar do grupo – o objetivo da pesquisa – foram necessários quase seis anos, com a ajuda de estagiários.
Os parauacus-de-cara-branca têm como característica o dimorfismo sexual, ou seja, a diferença de cores entre os sexos: o macho é preto, com cara alaranjada; e a fêmea, cinza grisalho (como a cotia e a preguiça).
Essa diferença facilitou a observação do grupo, inicialmente de cinco indivíduos: um macho adulto, duas fêmeas adultas, dois filhotes e um macho subadulto.
No começo da pesquisa, Eleonore chegou a ficar seis meses acampada perto dos parauacus. Quando estava dando aula na Universidade, se revezava com os estagiários.
Depois, passava todas as férias no meio do mato, trabalhando. Um esforço recompensado. A pesquisa mostrou que, para os parauacus, não é fácil garantir o ‘pão de cada dia’.
A flora amazônica é muito diversificada, mas a concentração de plantas de uma mesma espécie, num mesmo local, costuma ser muito baixa. Das 1.080 plantas pesquisadas no território do grupo estudado, 70% eram a única da espécie.
Além disso, as árvores não dão frutos todos os anos. Muitas frutificam a cada dois anos. Por isso, os parauacus têm que conhecer bem a mata e variar muito a dieta.
Os parauacus-de-cara-branca costumam dormir bastante
Eleonore Setz
Os parauacus-de-cara-branca dormem bastante. Na estação chuvosa, com o calor, vão para a ‘cama’ no meio da tarde, entre 2 e 3 horas, levantam cedo, entre 6 e 7 horas. Na estação seca acordam mais tarde – entre 7 e meia e 8 horas e deitam também mais tarde, entre 3 e 3 e meia.
O ciclo amazônico da chuva e seca determina também o ‘orçamento de atividade’ dos parauacus: andar, comer, descansar. Em qualquer época, com mais ou menos comida disponível, os macacos gastam o mesmo tempo para as três atividades. A diferença está na relação de equilíbrio entre a reserva de energia e o esforço para achar o alimento.
Na época chuvosa, com oferta abundante de frutos, os macacos se alimentam melhor e têm mais energia para gastar, correndo de árvore em árvore atrás da abundante frutificação.
Na estação da seca, a comida é pouca e fraca em nutrientes: coquinhos, flores e folhas. Eles têm que circular mais em busca do ‘almoço’. Mas andam devagar e param mais em cada árvore, procurando pequenos itens e poupando energia.
Na época chuvosa, com oferta abundante de frutos, os macacos se alimentam melhor e têm mais energia para gastar, correndo de árvore em árvore atrás da abundante frutificação
João Vitor Andriola/iNaturalist
No auge da escassez, comem até terra de cupinzeiro. A hipótese é que essa terra, cuja argila protege o estômago de possíveis toxinas contidas nos alimentos mais difíceis de digerir. Além disso, a terra possui conteúdo mineral de sódio e potássio que ajudam a balancear a dieta.
Tanto na época de fartura, como na das ‘vacas magras’, os macacos seguem um roteiro fixo, graças à ‘comunicação odorífera’: eles deixam o próprio cheiro impregnado nas árvores flexionando os braços e esfregando o pescoço no galho. Uma ‘ginástica’ para garantir as rotas de alimentação.
Cada indivíduo dorme em uma árvore e a ‘cama’ é trocada toda noite. Recolhem-se em absoluto silêncio, sem qualquer vocalização, e não defecam no ‘quarto’.
São estratégias para despistar predadores como gaviões, gatos, onça, jaguatirica e harpia. O fato de dormir cedo também ajuda na sobrevivência: alguns predadores, como a jaguatirica, só acordam e saem à caça quando os parauacus já estão recolhidos.
Os tímidos Pithecia
Existem nove espécies conhecidas de parauacus, todas da Amazônia Ocidental. São macacos de hábitos diurnos, habitantes das florestas densas e dossel fechado, onde se alimentam de frutas, folhas, brotos e sementes verdes.
Permanecem silenciosos e avessos a exibições durante a maior parte do tempo, portanto, não são avistados com facilidade.
Os parauacus são macacos de hábitos diurnos, habitantes das florestas densas e dossel fechado
timojaeg/iNaturalist
As raras exceções são quando a floresta de igapó está inundada e, ao navegar por entre as árvores, é possível ver os galhos mais altos, em meio aos quais eles aparecem como bolas de pelo dotadas de cauda espessa, não preênsil. Ou quando se tem a rara oportunidade de achar um grupo que circula a meia altura, ao alcance o olhar de quem está a pé.
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