Viagem para Marte: por que Trump tem só uma ‘janela’ e terá que correr para enviar missão ao planeta vermelho


Ideia é que esse feito seja alcançado nos próximos quatro anos, que correspondem à totalidade de seu mandato presidencial. Representação artística mostra humanos em Marte analisando a Viking 2, sonda que pousou em 1976 para estudar o solo e a atmosfera do planeta.
Nasa
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, voltou a citar uma meta ousada: levar astronautas a Marte.
A mais recente referência ao tema foi na sessão conjunta do Congresso americano. Ele já havia feito citação ao tema em sua posse, no mês de janeiro. Para concretizar a promessa, o feito precisaria ser alcançado nos próximos quatro anos, que correspondem à totalidade de seu mandato presidencial.
Durante seu discurso, Trump afirmou que para conseguir isso o seu país perseguirá seu “destino manifesto nas estrelas” e plantará a bandeira dos EUA no planeta vermelho.
Para muitos, a declaração soou como um grande passo para a exploração espacial, mas, diante dos desafios tecnológicos e logísticos (que são muitos), também ficou a dúvida: será mesmo possível alcançar esse objetivo em tão pouco tempo? Quais são os impasses atuais?
Entenda nesta reportagem.
Uma corrida contra o tempo
O envio de uma missão a Marte não acontece a qualquer momento. Existe um período específico, que ocorre a cada 26 meses, quando a posição da Terra e do planeta vermelho permite uma viagem mais curta e eficiente em termos de combustível.
E essa janela de lançamento será aberta novamente apenas no fim de 2026.
Essa oportunidade acontece por causa da maneira como os planetas se movem ao redor do Sol. A Terra leva um ano para completar sua órbita, enquanto Marte demora cerca de dois.
Isso significa que, de tempos em tempos, os dois ficam posicionados de forma mais favorável para uma viagem entre eles. Essa trajetória, conhecida como órbita de transferência de Hohmann, é o caminho mais eficiente para alcançar Marte, pois exige menos energia e combustível.
“A próxima janela de lançamento será no final de 2026 ou início de 2027. Depois disso, a oportunidade seguinte será em 2029, além de algumas previstas para a década de 2030”, explica ao g1 Volker Maiwald, engenheiro aeroespacial no Instituto de Sistemas Espaciais do DLR, na Alemanha.
Aproveitar essa janela de lançamento é essencial para qualquer missão, pois reduz os custos e o tempo de viagem. Normalmente, um veículo espacial enviado nesse período leva entre seis e oito meses para chegar ao planeta vermelho. Fora dessa janela, a viagem poderia demorar anos e consumir muito mais recursos, tornando a missão inviável.
Por isso, a SpaceX, empresa do bilionário Elon Musk, pretende aproveitar essa oportunidade e lançar missões não-tripuladas na janela de 2026, utilizando o foguete Starship. No entanto, levar humanos a Marte envolve desafios que vão muito além da escolha do momento certo para a decolagem.
Transporte de recursos
Um dos maiores obstáculos para termos astronautas em Marte ainda nessa década é a necessidade de um sistema avançado de suporte à vida.
Diferente da Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês) que recebe suprimentos da Terra com frequência, uma missão a Marte exigiria sistemas altamente eficientes para reciclar ar e água.
Hoje, a tecnologia disponível consegue reaproveitar cerca de 50% do ar e 90% da água, mas para uma viagem desse porte, o ideal seria um sistema próximo de 100% de reciclagem.
Fora isso, a Starship, embora revolucionária, esbarra num problema fundamental: seu peso. De acordo com estudos recentes, a quantidade de materiais necessários para uma missão bem-sucedida – incluindo alimentos, equipamentos e combustível – simplesmente não cabe em um único lançamento do veículo espacial.
O grande nó da questão está no reaproveitamento de recursos. Isto é, quanto melhor for o sistema para reciclar comida, água e ar, menor será a carga que precisa ser levada. As plantas, por exemplo, são aliadas valiosas nesse processo, já que fornecem alimento, consomem resíduos, liberam oxigênio e absorvem gás carbônico.
Mesmo assim, Maiwald diz que nem um sistema de reciclagem perfeito resolveria o problema do excesso de peso. Ou seja, mesmo que fosse possível criar um ambiente totalmente fechado – o que os especialistas consideram praticamente impossível – ainda assim a nave não conseguiria transportar tudo o que é necessário.
O impasses até Marte
Arte/g1
Posto de combustível em Marte
Uma missão tripulada em Marte também depende da produção de combustível no planeta vermelho para garantir o retorno dos futuros astronautas.
Dessa forma, seria preciso enviar previamente toda a infraestrutura para fabricar esse combustível no planeta, incluindo geradores de energia e máquinas para coletar e processar materiais marcianos.
O problema é que o desenvolvimento dessas tecnologias não segue um cronograma previsível. Trata-se de um campo sujeito a mudanças políticas, econômicas e sociais que podem acelerar ou frear os avanços necessários.
O cenário depende da produção autônoma de propelente para garantir que ele esteja disponível no prazo e a tripulação tenha uma oportunidade confiável de retorno. Duvido que uma missão seja lançada sem o propelente de retorno estar pronto na hora do lançamento da missão tripulada (caso contrário, não seria possível garantir que haja propelente suficiente).
Representação artística mostra astronautas e bases em Marte, que poderão ser usadas para facilitar a exploração no planeta vermelho.
Nasa
Carregado pelo rover Perseverance, o MOXIE (sigla em inglês para “Experimento de Utilização de Recursos in situ de Oxigênio em Marte”), até conseguiu extrair oxigênio da atmosfera marciana – um feito histórico, sem dúvida.
No entanto, a quantidade produzida foi minúscula: apenas 5 gramas. Para uma missão tripulada voltar para casa, seriam necessárias toneladas desse recurso (veja infográfico acima).
E segundo especialistas, o cenário ideal seria garantir o combustível de retorno antes mesmo do lançamento da missão tripulada. Ou seja, os astronautas só embarcariam para Marte quando houvesse certeza de que poderiam voltar. Isso significa que todo o processo de produção precisaria funcionar de forma autônoma e confiável.
“Isso significa que, até a janela de lançamento para Marte no final da década, será necessário transportar toda a infraestrutura para produzir o propelente (incluindo sistemas de geração de energia, equipamentos para coletar material, processá-lo e montar a infraestrutura)”, acrescenta Maiwald.
E aí mora um dos maiores desafios tecnológicos: a autonomia dos sistemas. Vale lembrar que os rovers atuais, como o Perseverance, são controlados remotamente por uma enorme equipe de cientistas e engenheiros na Terra.
Para a produção de combustível, seria necessário criar máquinas capazes de coletar materiais (como gelo para extração de hidrogênio), processá-los e transformá-los em combustível limpo o suficiente para uso nos foguetes – tudo isso sem supervisão humana direta.
E até então, nada parecido foi feito antes, nem mesmo com astronautas presentes. Trata-se de uma fronteira tecnológica completamente nova.
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Riscos de radiação no caminho e na chegada
Ao contrário da ISS, que desfruta de certa proteção do campo magnético terrestre, astronautas em rota para o planeta vermelho também estariam completamente expostos ao bombardeio de partículas de alta energia provenientes do espaço profundo e do Sol.
E segundo estudos recentes, esses viajantes espaciais enfrentariam uma dose de 662 mSv durante uma viagem de ida e volta de 360 dias.
☢️ Para entender a gravidade dessa exposição, isso seria como realizar uma tomografia computadorizada de corpo inteiro a cada cinco ou seis dias. ☢️
Em uma missão completa, que incluiria 180 dias de viagem para Marte, 600 dias na superfície do planeta e mais 180 dias para retornar à Terra, os astronautas acumulariam aproximadamente 0,88 Sieverts de radiação. Ou seja, quase nove décimos do limite considerado seguro para toda a carreira de um profissional do tipo.
E as soluções atuais para proteção ainda estão em fase experimental. Pesquisadores têm testado materiais como o polietileno, já utilizado em experimentos na ISS. Outra estratégia comum envolve o uso da própria água da nave como manto protetor, criando refúgios seguros para os momentos de picos de radiação causados por tempestades solares.
A questão é que, diferente de outros desafios técnicos, a radiação não pode ser simplesmente “consertada” com uma solução única. Trata-se de um risco constante que exige múltiplas camadas de proteção e planejamento meticuloso.
E os efeitos da radiação no corpo humano vão além do risco imediato de doença. A exposição prolongada pode aumentar significativamente as chances de desenvolver câncer ao longo da vida, além de potencialmente afetar o sistema nervoso central e provocar outros danos à saúde a longo prazo.
O MOXIE (sigla em inglês para “Experimento de Utilização de Recursos in situ de Oxigênio em Marte”).
NASA/JPL-Caltech
Transmissão de materiais biológicos
Diferente dos rovers meticulosamente esterilizados, cada astronauta também carrega consigo um verdadeiro ecossistema de microrganismos – na pele, no sistema digestivo e no ar que respira. E essa bagagem microbiana invisível pode comprometer décadas de esforços cuidadosos para detectar possíveis formas de vida marcianas.
Os Estados Unidos, como signatários do Tratado do Espaço Exterior de 1967, têm a obrigação internacional de explorar outros mundos evitando sua contaminação nociva. Da mesma forma, precisam proteger a Terra de potenciais ameaças biológicas extraterrestres. É uma via de mão dupla que complica ainda mais a equação dessa exploração espacial.
Para atender a essas exigências, o Escritório de Proteção Planetária da NASA estabelece padrões rigorosos de limpeza para as missões robóticas. Ou seja, veículos como o rover Perseverance passam por processos intensos de esterilização antes de tocarem o solo marciano.
Mas o que fazer quando os exploradores forem de carne e osso ainda é incerto. Isso porque, atualmente, ainda não existe uma política completamente desenvolvida para missões tripuladas.
Um relatório de 2002 intitulado “Seguros em Marte” sugeriu o estabelecimento de “zonas de risco biológico mínimo” para futuras operações humanas.
Estas seriam áreas onde, após análises prévias, não fosse detectado carbono orgânico acima de certo limite. Dessa forma, esses locais poderiam receber astronautas com menor risco de contaminação biológica significativa.
Mas a questão vai além da proteção científica. No caso de Marte, qualquer forma de vida nativa poderia ser completamente apagada antes mesmo de ser descoberta, caso micróbios terrestres se estabeleçam e proliferem.
Por outro lado, muitos especialistas questionam se é realmente possível enviar humanos a Marte sem algum nível de contaminação biológica. Afinal, por mais cuidadosos que sejamos, astronautas respiram, eliminam resíduos e, inevitavelmente, perdem células da pele. Cada suspiro, cada gota de suor, cada espirro seria potencialmente uma fonte de contaminação.
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