A 15 dias do carnaval, Pernambuco tem novos chefes das polícias e confirma que não terá câmeras de segurança durante a festa


Deputada da Comissão de Segurança Pública da Alepe e especialista em segurança pública criticam o que chamam de ‘falta de planejamento’, ‘desastroso e revelador’. Imagem de arquivo mostra policial monitora ruas em prévia de carnaval no Grande Recife
Reprodução/TV Globo
A 15 dias do carnaval, o governo de Pernambuco trocou os chefes das polícias Civil e Militar e confirmou que o estado não vai contar com câmeras de videomonitoramento de segurança pública em locais estratégicos de quatro das maiores cidades de Pernambuco: Recife, Olinda, Caruaru e Petrolina.
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A troca dos chefes das polícias aconteceu na segunda-feira (22), após confrontos entre torcedores do Náutico e do Santa Cruz, que deixaram um policial militar e dois torcedores baleados.
Foram exonerados de seus cargos o coronel Tibério César dos Santos e a delegada Simone Aguiar, que chefiavam a Polícia Militar e a Polícia Civil, respectivamente. No lugar deles, assumiram o coronel da PM Ivanildo Cesar Torres de Medeiros e o delegado Renato Márcio Rocha Leite.
Já o desligamento das câmeras de videomonitoramento ocorreu no início de dezembro. Todos os 358 equipamentos estaduais foram desativados pela Secretaria de Defesa Social (SDS).
‘Falta planejamento’, diz deputada
Presidente da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher e membro titular da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), a deputada estadual Gleide Ângelo (PSB), que é delegada, criticou tanto a troca de comando, quanto a falta das câmeras de monitoramento.
A delegada afirmou, ainda, que acredita que as duas ações são sintomas de uma falta de planejamento por parte do governo estadual.
“É como se você jogasse a culpa do aumento da insegurança nos comandantes, quando nosso problema é que temos um plano de segurança que não tem efetividade. Não há planejamento, coordenação e integração. É um plano incompleto. Os próximos comandantes terão exatamente a mesma estrutura dos anteriores. Não mudou absolutamente nada”, disse a deputada.
Sobre o desligamento das câmeras, Gleide Ângelo afirmou que afeta diretamente a resolução dos crimes e, além disso, faz com que criminosos se sintam mais à vontade para cometer delitos. Isso porque os equipamentos servem como uma espécie de inibidor de crimes.
“Bandido vai onde tem facilidade. Se tem câmera, tem uma prova irrefutável, é o que chamamos de prova material. Isso dá uma sensação de segurança para quem está no carnaval de rua. O desligamento vai impactar em maior risco e sensação de insegurança. Polícia trabalha com prova, e bandido acredita na impunidade. Quem é que vai conseguir identificar outro numa multidão, só com uma prova testemunhal? Numa câmera dá para fazer uma identificação”, afirmou.
Durante a campanha para as eleições, a governadora Raquel Lyra (PSDB) prometeu lançar o programa Juntos pela Segurança, política estadual da área para substituir o Pacto Pela Vida, implementado em 2007 pelo ex-governador Eduardo Campos (PSB), morto em 2014 num acidente aéreo.
O programa só foi lançado em julho, mas sem metas. Em novembro, o governo informou que pretendia reduzir os crimes em até 30% até 2026. Para Gleide Ângelo, o Juntos pela Segurança é incompleto.
“No Pacto pela Vida, toda quinta-feira a gente se reunia. Comandos da PM, delegados, Ministério Público e Judiciário. Porque o estado é dividido em Áreas Integradas de Segurança (AIS), e o delegado e o comandante precisam trabalhar juntos, avaliando onde tem homicídio, assalto, droga. Hoje, é cada um por si. Se você não faz isso, está cego. Não tem como fazer intervenção”, declarou.
‘Desastroso e revelador’, diz especialista
A socióloga Ana Paula Portella, consultora e pesquisadora especializada nas áreas de segurança pública e violência contra as mulheres, vinculada às universidades da Pensilvânia (EUA) e de Londres (Inglaterra), considera desastrosa e reveladora a decisão de trocar os comandantes das polícias num período tão próximo do carnaval.
“Fiquei muito surpresa. É desastroso e revelador de muita inexperiência do que significa o carnaval em Pernambuco. Já temos momentos de muitas multidões em Olinda e no Recife e me espanta que a governadora e a vice não compreendam que esse é um momento que tem que ser tratado com seriedade, inteligência e muito investimento”, declarou a pesquisadora.
Ana Paula Portella disse, ainda, que se preocupa especialmente com a segurança de cidades como Olinda, já que as câmeras são equipamentos fundamentais para o monitoramento de eventos de massa.
“É uma maneira muito eficaz de prevenção ao crime, porque você consegue monitorar eventos de massa sem que necessariamente a polícia seja acionada. E sabemos que o carnaval é organizado meses antes, é uma coisa que já está girando sozinha dentro do governo, desde as prévias”, disse.
Ainda sobre a troca de comando das polícias, Portella afirmou que a medida, muito além de uma simples troca de cargos, impacta diretamente no imaginário da sociedade.
“Dá impressão de uma fragilidade, um afrouxamento institucional. Pernambuco tem acumulado experiências positivas nesse aspecto [segurança no carnaval]. Basta manter e aperfeiçoar o que já funciona. Eu não entendo qual crise faz com que seja necessário trocar os comandantes das polícias agora”, afirmou.
Por fim, a pesquisadora também cobrou outras ações voltadas à segurança pública que, em eventos críticos como o carnaval, teriam impacto rápido, duradouro e eficaz.
“O número de tiroteios tem aumentado, e isso requer uma linha de atuação específica, como o controle e recolhimento de armas. O Brasil já implementou isso em alguns momentos, como no primeiro governo Lula, e não são coisas complicadas, o estado sabe como fazer. É ver quem está usando essas armas e fazer esse amplo movimento de recolhimento das armas ilegais”, explicou.
O que diz o governo
Modelo de câmera de segurança utilizado para monitorar as ruas
Reprodução/TV Globo
A gestão afirma que o desligamento das câmeras foi uma resposta a uma auditoria especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE), que determinou, em fevereiro de 2023, que fosse feita uma nova licitação. Mas o desligamento das câmeras pegou de surpresa até mesmo o TCE, que pediu explicações ao governo, porque, no resultado da auditoria, determinou que não houvesse interrupção do serviço.
A justificativa da SDS é que o contrato anterior, com o consórcio OI SA, que fornecia as câmeras, a internet e os operadores, foi firmado em 2012 e estava vencido há três anos.
Entretanto, embora o resultado da auditoria do TCE tenha saído em fevereiro, somente no dia 29 de dezembro foi publicado no site da SDS um chamamento público para cotações de preços por parte das empresas, para só então ser feita uma licitação. A previsão é de que apenas em abril o videomonitoramento seja retomado.
No carnaval, segundo a SDS, o estado pretende contar com drones, aeronaves de segurança pública e da Plataforma de Observação Elevada (POE) da SDS, que disponibiliza imagens em tempo real dos eventos.
O governo informou ainda que “visa repetir o êxito das ações executadas pelas forças de segurança na Operação Réveillon 2024, no Recife” e disse que “as câmeras do contrato anterior — antieconômicas e obsoletas, que funcionavam sem contrato regular — já não estavam ativas”.
Por fim, também afirmou que, desde outubro de 2023, vem realizando reuniões com prefeitos e representantes das prefeituras municipais, presidentes e diretores de blocos e agremiações, além de órgãos parceiros para garantir a segurança dos pernambucanos e turistas.
Diante das críticas sobre a troca de comando das polícias, o g1 entrou em contato com o governo, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.
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