Entenda como gerente jurídico pagou por fraude em perícias para ‘elevar índices de sucesso’ da Bosch em processos trabalhistas


André Cremasco teria utilizado técnico que prestava serviço à Bosch para repassar propinas a peritos. Multinacional foi condenada pela Justiça do Trabalho a pagar R$ 1,7 milhões em indenizações. Bosch é condenada em R$ 1,7 milhão por fraude em laudos trabalhistas
Um ex-gerente jurídico da multinacional alemã Robert Bosch, condenada pela 1ª Vara Trabalhista de Campinas (SP) por fraudar perícias trabalhistas, foi apontado pela Justiça como o responsável pela adesão da empresa ao esquema criminoso.
Segundo o Ministério Público do Trabalho (MPT), o esquema afetou 86 trabalhadores ao longo de quatro anos. A decisão prevê pagamento de R$ 1,7 milhões em indenizações como reparação de danos morais coletivos e individuais causados por peritos e representantes da empresa. Cabe recurso.
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Em nota, a multinacional informou que “está analisando medidas judiciais” para recorrer da decisão. “A Bosch reforça seu compromisso com a legalidade, em acordo com as diretrizes corporativas de conduta nos negócios”, completou.
Sede da Bosch em Campinas
Emerson Oliveira
Entenda como ocorreu
Gerente jurídico da multinacional entre 2007 e 2013, o advogado André Cremasco foi quem procurou o técnico Nelson Chaves, responsável por operacionalizar as fraudes. De acordo com o processo, o objetivo era “elevar os índices de sucesso” da Bosch em processos trabalhistas.
Segundo a ação, o então gerente jurídico contratou o técnico Nelson Chaves para prestar serviços à Bosch. No papel, daria assistência técnica, mas na prática, os valores pagos ao técnico a título de “estudos bibliográficos” eram repassados a peritos judiciais em forma de propina para fraudar laudos.
“Como gerente jurídico trabalhista da acionada, é evidente seu interesse nos resultados das perícias favoráveis à empresa, pois obviamente os resultados dos processos trabalhistas impactariam diretamente na avaliação da sua performance pela acionada, ainda que de forma subjetiva”, apontou a juíza.
Em um dos processos trabalhistas onde houve a fraude, o laudo pericial foi enviada por Nelson Chaves a André Cremasco antes mesmo de ser protocolado na ação, apontou a sentença.
“De 2010 a 2014, a acionada (Bosch) promoveu pagamento de propinas a, pelo menos, oito peritos e em oitenta e seis reclamações trabalhistas, das quais vinte e sete foram detalhadas na denúncia elaborada pelo MPF”, diz o processo.
Segundo o MPT, durante a investigação foram flagradas trocas de mensagens entre peritos judiciais, que ganhavam R$ 3,5 mil por laudo, e Nelson Chaves. Nesse período, foram 86 ações perdidas por trabalhadores que, diante do esquema, não conseguiram comprovar doenças ocupacionais como perda auditiva, patologias osteomusculares, entre outras.
Para a Justiça, no entanto, embora a Bosch seja responsável pelas atitudes de seu então gerente jurídico, não ficou comprovado que a multinacional tinha conhecimento das atitudes dele.
“Tenho por não comprovado que a acionada tivesse conhecimento direto de tais pagamentos feitos aos peritos pois, embora o partícipe André Cremasco fosse seu gerente jurídico à época, não há sequer indícios neste processo de que o esquema foi participado a outros funcionários ou administradores”, afirmou a juíza.
O g1 entrou em contato com André Cremasco, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem. O g1 tenta contato com Nelson Chaves.
Indenização
Inicialmente, o MPT pediu o pagamento de R$ 48 milhões por danos morais coletivos e de R$ 300 mil para cada colaborador. Mas os valores definidos na sentença foram, respectivamente:
R$ 100 mil pelos danos morais coletivos coletivos;
R$ 30 mil a 27 colaboradores “cujos processos embasaram a denúncia do Ministério Público Federal na ação penal”;
R$ 15 mil a outros 59 trabalhadores que tiveram perícias fraudadas.
O Judiciário também acolheu os pedidos do MPT para que o processo tramitasse sem segredo de Justiça, “com a finalidade de dar ciência inequívoca das irregularidades praticadas pela Bosch para todos os 86 trabalhadores lesados em suas reclamações trabalhistas”.
O MPT informou ainda que recorrer da decisão, pleiteando o aumento do valor reparatório segundo a petição inicial.
Esquema envolvia médicos peritos e empresas
O caso teve início em 2016, com a deflagração pelo Ministério Público Federal e pela Polícia Federal da “Operação Hipócritas”, que cumpriu mandados de prisão e de busca e apreensão contra médicos peritos nomeados pelo Judiciário e assistentes técnicos das partes para atuarem em processos trabalhistas.
De acordo com as investigações, os envolvidos eram financiados pelas empresas que eram rés nos processos e contavam com a intermediação de advogados, ajustando o pagamento de propinas para a emissão de laudo pericial favorável à parte interessada. Os investigados estão respondendo, de acordo com a participação de cada um, pelos crimes de:
associação criminosa;
corrupção passiva;
corrupção ativa;
e lavagem de dinheiro.
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