Principal vítima de venda de sentenças, BB teve prejuízos que ultrapassam R$200 milhões


Inquérito da Polícia Federal que investiga suposto esquema de venda de decisões judiciais no TJMS aponta ação de desembargadores em processos judiciais com causas milionárias envolvendo a instituição financeira. Desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul afastados.
Reprodução
O Banco do Brasil está entre os principais prejudicados em processos com “decisões aparentemente vendidas” em suposto esquema envolvendo desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (TJMS). O apontamento é feito pela Polícia Federal, que investiga o caso.
De acordo com o inquérito policial, ao menos três processos que têm a instituição financeira como uma das partes, tiveram decisões que prejudicaram o banco em causas com valores milionários. Se somados, os prejuízos do banco chegam a R$214 milhões. Quando comparado, o valor é menor do que o orçamento do município de Bonito, estimado em R$240 milhões, por exemplo.
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Entre as ações consta processo de “cumprimento de sentenças” de uma empresa de calcário contra o Banco do Brasil, com valor de causa estipulado em R$34 milhões.
O g1 tentou contato com o Banco do Brasil mas não recebeu posicionamento até a última atualização desta reportagem.
O processo, conforme consta no site do TJMS, iniciou em 2014. Para a PF, houve ação do desembargador Sideni Soncini Pimentel junto ao advogado Félix Jayme, que é citado mais de duzentas vezes no inquérito policial e teria agido em outros casos envolvendo a venda de sentenças.
A suposta venda da decisão que condenou o Banco do Brasil a pagar os R$34 milhões teria iniciado em 2016, após o juiz da comarca de Bela Vista (MS) alegar “incompetência” para julgar o caso e indicar que o mesmo deveria ser julgado por juiz da comarca de Campo Grande.
Conforme a PF, a manifestação do juiz gerou um outro processo que foi analisado pelo TJMS. Nessa ação, o relator do processo foi o desembargador Sideni Soncini Pimentel, que “contrariou parecer da Procuradoria Geral de Justiça e julgou procedente” a decisão que declarou competente o juiz de direito da comarca de Campo Grande para “processar e julgar os autos”.
Paralelamente à ação do desembargador, a polícia identificou que o advogado Félix Jayme trocava informações sobre o processo com o dono da empresa de calcário que entrou com a ação contra o banco.
Prints de conversas obtidas pelos investigadores são, para a polícia, indícios de que o advogado também estava envolvido na venda da decisão judicial, já que ele indicou em mensagem de texto a hora e dia em que tal decisão estaria pronta. “Segunda estará pronta a decisão final da fixação definitiva de competência e marcou comigo as 10hs p checar” escreveu Félix ao empresário.
PF obteve troca de mensagens entre advogado e empresário.
Reprodução/PF
A polícia entendeu que Félix Jayme queria “demonstrar que tinha acesso indevido ao desembargador Sideni Pimentel para obter decisões favoráveis”. Pelos honorário, conforme a PF, Felix Jayme receberia 250 hectares de uma fazenda.
Em outra ocasião, o empresário questiona Félix Jayme sobre o cronograma do processo e recebe como resposta: “Fui lá hoje, pública no diário amanhã e segunda vai para o juiz e ai deslancha a revisional. Assim o cronograma otimista, no caso juiz ouvir o banco, negar tutela e nós agravamos e julgar na turma, até final de novembro”.
Troca de mensagens entre Felix Jayme e dono de empresa de calcário.
Reprodução/PF
O g1 não conseguiu contato com a defesa do desembargador Sideni Soncini Pimentel e com o advogado Felix Jayme.
Sideni Soncini Pimentel foi eleito presidente do TJMS para o biênio 2025-2026. O magistrado está afastado de suas funções desde o dia 24 de outubro, data em que foi deflagrada a operação Ultima Ratio, da Polícia Federal.
Outros casos
Para a polícia, os desembargadores suspeitos de venda de sentenças agiam com mesmo modus operandi, prejudicando o Banco do Brasil em outros processos.
Em uma das ações, o banco foi condenado a pagar R$178 milhões em honorários advocatícios. O processo, segundo a PF, tem como advogados filhos do desembargador Vladimir Abreu da Silva, o que levou a polícia a ver indícios de que houve venda de decisão judicial no caso, julgado pelos desembargadores Divoncir Schreiner Maran e Marcos José de Brito Rodrigues.
Maran se aposentou recentemente e Marcos José foi afastado de sua função pela operação Ultima Ratio, deflagrada em 24 de outubro. Ele é monitorado por tornozeleira eletrônica desde o dia 12 deste mês.
Marcos Brito também é suspeito de ter aigo em outro processo que favoreceu um pecuarista e, novamente, teve o Banco do Brasil como vítima.
Na ação, o pecuarista propõe revisão de contratos com o Banco Brasil referentes a financiamento de veículo e abertura de crédito alegando que “há cláusulas contratuais e encargos financeiros abusivos”.
Em uma primeira decisão, o desembargador Marcos Brito aceitou a revisão e decidiu que o pecuarista deveria arcar com o pagamento de 100% das custas e despesas do processo. Mas, conforme a polícia, o magistrado, que era relator no processo, “revogou sua própria decisão, beneficiando o pecuarista”.
Na revogação, o desembargador decidiu que o homem deveria arcar com 80% (e não mais 100%) das custas e despesas do processo e, o Banco do Brasil, com os 20% restantes. A causa foi estimada em R$ 3 milhões, segundo a PF.
Ultima Ratio
[foto desembargadores]
A operação que afastou os cinco desembargadores do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul foi deflagrada em 24 de outubro por determinação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que exigiu, ainda, o uso de tornozeleira eletrônica pelos magistrados. O monitoramento iniciou doze dias depois da deflagração da operação, em 5 de novembro. Estão afastados:
Sérgio Fernandes Martins, presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul;
Sideni Soncini Pimentel, presidente do TJ eleito para 2025 e 2026;
Vladimir Abreu da Silva, vice-presidente eleito também para os próximos dois anos;
Alexandre Bastos, desembargador;
Marcos José de Brito Rodrigues, desembargador.
Os magistrados também estão proibidos de acessar as dependências dos órgãos públicos e de se comunicarem com outras pessoas investigadas.
Além deles, outros servidores do judiciário, um procurador de Justiça, empresários e advogados – alguns deles filhos dos desembargadores – são investigados por:
lavagem de dinheiro
extorsão
falsificação
organização criminosa
No dia 26 de outubro, a investigação saiu das mãos do ministro Francisco Falcão, do STJ, e ficou sob responsabilidade do ministro Cristiano Zanin, do STF.
Com a decisão, todo material apreendido, como celulares, computadores, anotações, agendas e mídias eletrônicas, ficou remetido ao STF. Desde então, cabe ao ministro Zanin requisitar à direção da PF uma nova equipe para seguir com a investigação sob sua relatoria.
O caso segue em segredo de justiça e STF e STJ não disponibilizam detalhes sobre o andamento do processo judicial. O Conselho Nacional de Justiça e o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul informaram que também não vão se posicionar.
Os cargos dos magistrados afastados foram ocupados por juízes convocados pelo TJMS no dia 30 de outubro. Confira aqui quem são os substitutos.
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