Dois dos crimes atribuídos a Bolsonaro pela PF estão previstos em lei que ele mesmo sancionou quando presidente da República; entenda


Em 2021, então presidente sancionou, com vetos, a lei que pune ataques contra a democracia, aprovada pelo Congresso Nacional. Crimes previstos nesta norma serviram de base para relatório da Polícia Federal.  O ex-presidente Jair Bolsonaro em Goiânia, em imagem de 4 de abril de 2024
Ueslei Marcelino/Reuters
A Polícia Federal indiciou o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras 36 pessoas por delitos que estão previstos na lei que pune ataques contra a democracia. A norma, aprovada pelo Congresso Nacional em 2021, foi sancionada pelo próprio Bolsonaro quando exercia a Presidência.
O indiciamento é um procedimento que ocorre na fase de investigação. Neste momento, ainda não há processo penal, não há réus. É feito quando o delegado de polícia, avaliando o caso, conclui que há indícios de crime e associa os possíveis delitos a uma pessoa ou grupo de pessoas. O caso ainda será analisado pela Procuradoria-Geral da República, que pode arquivar a apuração ou propor uma denúncia (acusação formal de crimes à Justiça).
Bolsonaro foi indiciado pelos seguintes crimes:
– abolição violenta do Estado Democrático de Direito: acontece quando alguém tenta “com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais”. A pena varia de 4 a 8 anos de prisão.
– golpe de Estado: fica configurado quando uma pessoa tenta “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. A punição é aplicada por prisão, no período de 4 a 12 anos.
Estes delitos foram incluídos no Código Penal pela lei de crimes contra a democracia, sancionada pelo ex-presidente. Eles passaram a fazer parte de um capítulo com “crimes contra as instituições democráticas”. Punem já a tentativa de atacar as instituições, mesmo que a ruptura institucional não tenha se concretizado.
Além de Bolsonaro, assinam a legislação os ex-ministros Augusto Heleno, Walter Braga Netto, Anderson Torres e Damares Alves.
Esta norma substituiu a Lei de Segurança Nacional, que era da época da ditadura militar.
Terceiro crime
A PF também apontou que o ex-presidente teria cometido o seguinte delito:
organização criminosa: crime cometido por quem promove, constitui, financia ou integra, “pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa”. Pena de 3 a 8 anos. A organização criminosa a “associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a quatro anos, ou que sejam de caráter transnacional”.
Vetos
Trechos da lei foram vetados à época. Entre eles:
– o crime de comunicação enganosa em massa, conhecido popularmente como propagação de fake news. A ideia era punir quem promove ou financia, pessoalmente ou indiretamente, campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral. A pena seria de 1 a 5 anos de prisão. O então presidente vetou por considerar que o trecho não deixava claro a conduta a ser punida – se de quem gerou a notícia ou compartilhou. A propagação de fake news em meio às eleições, no entanto, é crime por força de uma previsão no Código Eleitoral em vigor.
– um capítulo dedicado aos “crimes contra a cidadania”, como o atentado ao direito de manifestação;
– o aumento de pena caso os crimes fossem cometidos por militares e funcionários públicos.
Competência
Pela Constituição, uma das tarefas do presidente da República é sancionar ou vetar leis aprovadas pelo Congresso Nacional. Ao dar o aval à legislação em 2021, Bolsonaro exerceu esta atividade, dentro de suas competências no cargo.
As leis brasileiras, uma vez em vigor, devem ser seguidas por todos os cidadãos. Desobedecê-las pode gerar repercussões na Justiça.
Próximos passos
O relatório da PF é repassado ao Supremo Tribunal Federal. Relator do caso, o ministro Alexandre de Moraes deve determinar que o documento siga para análise da Procuradoria-Geral da República.
Caberá à PGR decidir se arquiva o caso, pede mais diligências ou apresenta uma denúncia (acusação formal de crimes). Em caso de denúncia, o pedido será analisado pelo Supremo Tribunal Federal. Se aceito, tornará réu o político do PL.
Isso significa que, se isso ocorrer, Bolsonaro passa a responder a um processo penal no tribunal, que segue o rito previsto em uma lei de 1990. A ação penal passará por coleta de provas, depoimento de testemunhas, interrogatório do réu, apresentação de defesas e, ao fim do procedimento, será julgada pelo tribunal, que pode condenar ou absolver o ex-presidente.
Somente ao fim da ação penal o tribunal vai analisar o conteúdo da acusação e verificar se ele deve ser condenado ou absolvido. Além disso, são cabíveis recursos dentro do próprio tribunal.
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