Em reunião, ministro de Bolsonaro defendeu ‘alternativas’ antes das eleições e admitiu ‘risco de conturbar país’


Vídeo do encontro mostra Mário Fernandes, ministro-substituto da Secretaria-Geral da Presidência, defendendo ‘ação’ antes do primeiro turno. Sigilo das imagens foi retirado nesta sexta-feira (9). Reunião ministerial de Bolsonaro antes das eleições de 2022
Reprodução
Em reunião com Jair Bolsonaro (PL) em julho de 2022, o então ministro-substituto da Secretaria-Geral da Presidência da República, Mário Fernandes, defendeu “alternativas” antes das eleições daquele ano, e admitiu o risco de “conturbar o país”.
As declarações constam em vídeo do encontro, realizado entre o então presidente Bolsonaro e seus ministros para discutir o pleito de 2022.
A gravação foi apreendida pela Polícia Federal em um computador de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, que fez acordo de colaboração premiada. O sigilo sobre o vídeo foi retirado pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes nesta sexta-feira (9).
Na reunião, Fernandes citou países da América do Sul, que indicam “o que vão fazer”. “Eu tenho visto vários governos no entorno do Brasil, na nossa América Latina, que sem papas na língua, indicam, com plena liberdade, sem medo algum, o que precisam fazer, o que desejam, o que vão fazer”, disse.
Em seguida, defendeu que o governo desse um prazo para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Segundo a PF, ele cobrava que a Corte permitisse o acompanhamento das eleições pelos três poderes.
“Nós temos que…um prazo para isso acontecer, por parte do Judiciário, do TSE, e uma previsão de uma próxima reunião pra alternativas se isso não acontecer nesse prazo”, afirmou.
Em seguida, passou a defender uma ação do governo antes das eleições, e citou “medida mais radical”. No entanto, não chegou a explicitar a intenção.
“Daqui a pouco nós estamos nas vésperas do primeiro turno. E aí, com a própria pressa internacional, a liberdade de ação do senhor e do governo vai ser bem menor. A população vai começar a acreditar: ‘Não, tá tranquilo, o governo não tomou a medida mais radical, tá tranquilo’. Então, eu acho que realmente nós temos que ter um prazo para que isso aconteça, e não… para que eles raciocinem que é importante avaliar essa possibilidade. Mas principalmente, pra que uma alternativa seja tomada, como o senhor bem disse, antes que aconteça”, disse.
Fernandes também chegou a cogitar as consequências de uma possível ação pela força.
“Porque no momento que acontecer, o que vai acon… É 64 de novo? É uma junta de governo? É um governo militar? É um atraso de tudo que se avançou no país? Porque isso vai acontecer. O país vai ser todo desarticulado. Eu não tô falando dos nossos postos não. Eu tô falando do país como um todo, todo o planejamento estratégico vai ser desarticulado”, afirmou.
“Então, tem que ser antes. Tem que acontecer antes, como nós queremos, dentro de um estado de normalidade. Mas é muito melhor assumir um pequeno risco de conturbar o país, pensando assim para que aconteça antes, do que assumir um risco muito maior da conturbação quando a fotografia lá for de quem a fraude determinar.”
Atuação de Bolsonaro
Bolsonaro convocou ministros a agirem antes das eleições
O vídeo da reunião também mostra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) dizendo a ministros que era necessário agir antes das eleições para que o Brasil não virasse “uma grande guerrilha”.
Segundo a PF, na reunião, o então presidente ordenou a disseminação de informações fraudulentas para tentar reverter a situação na disputa eleitoral.
“Nós sabemos que, se a gente reagir depois das eleições, vai ter um caos no Brasil, vai virar uma grande guerrilha, uma fogueira no Brasil. Agora, alguém tem dúvida que a esquerda, como está indo, vai ganhar as eleições? Não adianta eu ter 80% dos votos. Eles vão ganhar as eleições”, disse.
As supostas fraudes eleitorais alegadas por Bolsonaro ao longo de quatro anos de mandato nunca existiram. A lisura do processo e a confiança no resultado foram reafirmadas por autoridades nacionais e internacionais, diversas vezes.
Operação da PF
Bolsonaro é alvo de operação da PF que investiga tentativa de golpe de Estado
A gravação da reunião é uma das peças que embasaram a operação da PF contra militares e ex-ministros suspeitos de participarem de uma tentativa de golpe de Estado. Entenda a operação:
Havia 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão preventiva para serem cumpridos na operação Tempus Veritatis (que significa “hora da verdade”, em latim), que foi autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes. Veja aqui todos os alvos da operação.
O passaporte de Jair Bolsonaro foi apreendido e ele está proibido de falar com os investigados.
O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, foi alvo de um mandado de busca, mas acabou preso em flagrante por posse irregular de arma de fogo. Uma pepita de ouro foi apreendida com ele.
Na sede do PL, foi encontrado na sala de Bolsonaro um documento que defende e anuncia a decretação de um estado de sítio e da garantia da lei e da ordem no país.
O relatório da PF afirma que o grupo agia em seis núcleos para organizar uma tentativa de golpe de Estado. Veja detalhes aqui.
Nomes próximos ao ex-presidente, como Braga Netto e Augusto Heleno, também foram alvos de busca e apreensão.
O ex-assessor especial de Bolsonaro Filipe Martins, que, segundo a PF, foi quem entregou a minuta do golpe a Bolsonaro, e mais dois militares foram presos. Um quarto mandado de prisão foi expedido contra um coronel, mas ele não foi detido porque estava nos Estados Unidos, mas já será trazido ao Brasil. Veja aqui os motivos da Procuradoria-Geral da República para pedir as quatro prisões.
A operação mirou ainda o ex-ministro da Justiça Anderson Torres, com quem já havia sido encontrada uma minuta do golpe, e o ex-assessor de Bolsonaro Tércio Arnaud, apontado como integrante do chamado “gabinete do ódio”. Eles são acusados de integrar um núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral.
O advogado Amauri Feres Saad, que teria prestado assessoria jurídica para a elaboração da minuta, também foi alvo da PF.
Outro alvo foi um padre católico conservador de Osasco (SP) que, segundo a PF, assessorava na elaboração de minutas de decretos golpistas.
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